Objetivo: Analisar a técnica cirúrgica e os resultados com o uso do anel de Gregori em posição invertida na correção da insuficiência tricúspide.
Casuística e Métodos: No período de julho de 1991 a novembro de 1997, foram operados 11 pacientes com média de idades de 36,4 anos. A avaliação do paciente foi pelos sintomas (GF) e estudo ecocardiográfico. A operação foi realizada com auxílio da CEC e o anel de Gregori foi implantado na posição tricúspide de maneira que a parte retificada da elipse do anel coincidisse com a cúspide anterior, região de maior dilatação. Oito (72,7%) pacientes apresentavam GF III ou IV no pré-operatório e em 6 (54,5%) pacientes o ritmo era de FA. A média do diâmetro do ventrículo direito (VD) era de 34 mm (valor normal até 26 mm).
Resultados: Não houve mortalidade hospitalar e nem tardia. Os procedimentos associados foram: troca valvar mitral em 5 pacientes, fechamento de CIA em 2 pacientes, troca valvar aórtica com plástica valvar mitral em 1, plástica valvar mitral em 1; correção de endomiocardiofibrose (EMF) bilateral em 1 e revascularização do miocárdio em 1 paciente. Acompanhamento PO foi possível em 10 (91%); 9 (91%) estão em GF I ou II. A paciente em GF III apresentava insuficiência mitral após correção da EMF. Três pacientes estão em FA e 7 em RS e nenhum caso de bloqueio A-V total. Nenhum paciente foi reoperado. A média da dimensão do VD no PO é de 24,6 mm (p < 0,001).
Conclusões: 1) a técnica empregada é simples e reprodutível; 2) houve importante melhora clínica; 3) a redução da cavidade ventricular direita foi estatisticamente significativa; 4) tendo em vista os bons resultados obtidos, este procedimento pode ser realizado rotineiramente.
Purpose: To analyse the technique and results for correction of functional tricuspid insufficiency with Gregori's ring in the inverted position.
Material and Methods: Between July 1991 and November 1997, 11 patients were operated on and the mean age was 37 years. The assessment of the patients was made by clinical symptoms (NYHA-FC) classification and echocardiography study. The ring was implanted in tricuspid position and the retilineal part of the ring was sutured with interruped stitches in the annulus of the anterior leaflet. The reason behind this technique was to reduce the natural ring that is dilated in that region. Eight patients was in functional class (FC) III or IV (72.7%) in the pre-operative period and atrial fibrilation (AF) was presented in 6 patients (54.5%). The mean right ventricular diameter was 34 mm (normal value is up to 26mm).
Results: There was no early or late mortality. The associated procedures were: mitral valve replacement in 5 patients; closure of ASD in 2; aortic valve replacement plus mitral valve repair in 1; isolated mitral valve repair in 1; ressection of bilateral endomyocardial fibrosis (EMF) in 1 and myocardial revascularization in 1. Follow-up was possible in 10 patients (91%). Nine patients (89%) were in FC I or II. The patient in FC III presented residual mitral valve insufficiency post-correction of EMF. Three patients were in AF and 7 in sinus rythm and none in total A-V block. None of the patients were reoperated. The mean right ventricular diameter was 24.6 mm (p < 0.001).
Conclusions: 1) The technique is safe and reproducible; 2) clinical improvement was evident; 3) reduction of the right ventricular cavity was statistically significant; 4) considering the excellent results of this technique, it can be employed, routinely.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o procedimento de eleição para o tratamento da insuficiência tricúspide (IT) é a plástica valvar. Várias técnicas foram descritas com a finalidade de preservar a valva tricúspide (1-6). Os resultados da plastia são superiores quando comparados com a troca valvar ou até com tratamento clínico (7). Ainda existem controvérsias sobre qual a melhor técnica, se a plastia circunferencial ou implante do anel. Mas alguns estudos mostram que o emprego do anel tem mostrado melhores resultados (3, 8, 9). O objetivo deste trabalho é analisar os resultados e descrever a técnica com o implante do anel de Gregori (empregado para plastia da valva mitral) na posição invertida para o tratamento da insuficiência tricúspide.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
No período entre julho de 1991 e novembro de 1997, 11 pacientes com insuficiência tricúspide foram submetidos a implante do anel de Gregori na posição invertida (Figura 1), além da correção de outras lesões cardíacas. A idade variou de 14 a 69 anos, com média de 36,4 anos. Sete pacientes eram do sexo feminino e 4 do masculino. A avaliação dos pacientes foi realizada pelos sintomas segundo a classificação do grau funcional (GF) da NYHA e estudo ecocardiográfico mais relacionado ao tamanho do ventrículo direito (VD). Esta avaliação foi realizada nos períodos de pré e pós-operatório.
Fig. 1 - Acima: posição invertida do anel e abaixo: dilatação do anel da valva tricúspide, mais na parte anterior e posterior. A = cúspide anterior, P = cúspide posterior; S = cúspide septal.
Além destes parâmetros, o ritmo cardíaco foi observado, ritmo sinusal (RS) ou fibrilação atrial (FA). Seis (54,5%) pacientes estavam em FA e 5 (45,4%) em RS. Oito (73%) pacientes estavam no GF III ou IV. O estudo ecocardiográfico mostrou aumento do tamanho do VD tendo como média 34 mm (12 a 48 mm), sendo que o valor normal varia de 7 a 26 mm.
Técnica Cirúrgica
Após esternotomia mediana, era instalada a CEC com cânula introduzida na veia cava superior e no átrio direito em direção à veia cava inferior. Utilizou-se oxigenador de membranas e bomba centrífuga. A proteção do miocárdio foi realizada com injeção de solução hemocardioplégica anterógrada. Como em alguns casos havia necessidade de abordar a valva mitral, a via de acesso era a clássica ou transeptal com extensão para o teto do átrio esquerdo. Após a correção do procedimento associado o ar era retirado das cavidades esquerdas, a aorta despinçada, com retorno dos batimentos cardíacos. A análise da valva tricúspide consistia na observação das cúspides, cordas tendíneas e músculos papilares. O número do anel dependia da distância entre as comissuras ântero-septal e póstero-septal. Os pontos eram passados no anel em forma de "U" do átrio em direção ao ventrículo desde a comissura póstero-septal até a ântero-septal. Os pontos, então, eram passados na face externa do anel protético (Braile - São José do Rio Preto). A parte mais retificada do anel coincidia com a cúspide anterior. Normalmente, o número do anel utilizado foi 34 ou 36. O teste da valva era feito com o coração batendo. A seguir, o átrio direito era fechado com fio monofilamentado 5-0 e o coração desconectado da CEC.
Análise Estatística
Para se rejeitar a hipótese nula (Ho) de que não há diferença entre as medidas pré e pós ao nível de 0,05 com 7 graus de liberdade, deve-se obter um t observado igual ou superior ao t crítico de 2,365. Como o novo t observado é de 3,10, ou seja, maior que o t crítico, rejeita-se a Ho e aceita-se a hipótese experimental. A diferença é estatisticamente significativa, ou seja, não é fruto de erro amostral ao nível de 0,05.
RESULTADOS
Não houve mortalidade hospitalar, nem tardia. Uma paciente evoluiu com síndrome de baixo débito cardíaco e, a seguir, boa evolução. A primeira paciente operada engravidou após 3 anos da operação e apresentou gestação a termo e com parto normal.
Após média de 4,1 anos de evolução pós-operatória, não houve casos de tromboembolismo ou necessidade de reoperação. Quanto ao ritmo cardíaco, a FA passou de 6 pacientes no pré-operatório para 3 pacientes no pós-operatório. O ritmo sinusal passou de 5 para 7 pacientes no período de pós-operatório. No pré-operatório 9 pacientes estavam no grau Funcional III ou IV (81,8%), passando para o grau funcional I ou II em igual número (Figura 2). Uma paciente evoluiu com grau funcional III devido a insuficiência mitral após correção de endomiocardiofibrose bilateral com plastia da valva mitral (sem anel).
Fig. 2 - Melhora do grau funcional no pré-operatório (PRÉ) e pós-operatório (PÓS).
Quanto ao estudo ecocardiográfico, foi observado que a dimensão do ventrículo direito no pré-operatório era de 34 mm, passando para 24 mm no pós-operatório. Esta diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,001) (Figura 3 ). As figuras 4a e 4b demonstram diminuição importante do refluxo através da valva tricúspide. A ventriculografia direita evidenciou com precisão a suficiência da valva tricúspide após a correção (Figura 5).
Fig. 3 - Redução do tamanho do ventrículo direito no pré-operatório e pós-operatório. Houve diferença estatística significativa. Pós = pós-operatório; Pré = pré-operatório; mm = milímetros; VN = valor normal (do ventrículo direito).
Fig. 4a - Ecodoppler na fase pré-operatória. AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; VD = ventrículo direito.
Fig. 4b - Ecodoppler na fase pós-operatória com regressão significativa do refluxo através da valva tricúspide.
Fig. 5 - Ventrículografia direita na telesístole; valva tricúspide suficiente.
COMENTÁRIOS
Segundo estudo realizado por DELOCHE et al. (10), a dilatação do anel da valva tricúspide se dá em 80% ao nível da cúspide anterior e posterior. É nessa região onde a parede ventricular direita é mais fina. Desta maneira, o anel desenvolvido por GREGORI Jr. (11) para a correção da insuficiência mitral é semi-aberto e uma das hemielipses, mais retificada. Fazendo analogia para a valva tricúspide, observou-se que esta parte mais retificada do anel, na posição invertida, coincide com as cúspides anterior e posterior. A parte aberta do anel coincide com a cúspide septal evitando o comprometimento do feixe de condução. O primeiro relato do emprego do anel de Gregori na posição invertida foi descrito por CARVALHO (12), em 1996. Nesta série, não houve casos de bloqueio A-V total. Em virtude deste detalhe, outros tipos de anéis têm o formato semelhante ao de Gregori, em que a parte mais retificada acompanha a cúspide anterior, como o anel desenvolvido por CARPENTIER et al. (3) e McCARTHY & COSGROVE (5).
Normalmente, quando está presente uma insuficiência tricúspide funcional, isso significa evolução arrastada de lesões do coração esquerdo, principalmente a valvopatia mitral. Muitas vezes são doentes já submetidos a tratamento cirúrgico, com risco operatório aumentado, principalmente em relação à mortalidade. No presente estudo, não houve mortalidade hospitalar e nem tardia. Alguns estudos mostram mortalidade que varia de 6,3%, MlNALE et al. (6); 13%, RIVERA et al. (9); 11%, De PAULIS et al. (13); 18%, BREYER et al. (14); 14,7%, KAY et al. (1). Melhor seleção de pacientes para o tratamento cirúrgico, maior experiência do grupo cirúrgico e da anestesia e melhores condições de pós-operatório contribuem para resultados satisfatórios, até mesmo a ausência de mortalidade, como neste trabalho.
O melhor método para avaliar a valva tricúspide é o estudo ecodopplercardiográfico colorido proporcionando valores que retratam a realidade. No presente estudo este exame foi de fundamental importância na avaliação dos resultados. A diminuição do tamanho do ventrículo direito nos estudos pós-operatórios foi significativa sob ponto de vista estatístico. Isto demonstra diminuição e desaparecimento da regurgitação. YADA et al. (16) classificaram a gravidade e o modo da lesão valvar e relataram diminuição do diâmetro do anel valvar de 26,1 mm/m2 para 17,3 mm/m2. CZER et al. (17) realizaram estudo ecocardiográfico colorido pré, pós CEC e após 22 semanas de pós-operatório; observaram que no fechamento do tórax já se tinha idéia de como seria a anatomia da valva tricúspide a longo prazo; houve regressão da insuficiência tricúspide de 3,9+ para 0,9+ e o diâmetro do anel passou de 3,3 cm para 1,5 cm, com diferença estatística. Desta maneira, existe correlação entre a melhora ecocardiográfica e os sintomas clínicos, pois cerca de 90% dos pacientes no nosso estudo estavam no grau funcional I e II no pós-operatório.
Além do implante do anel, existem outras técnicas para a correção da insuficiência tricúspide. A operação proposta por KAY et al. (1), em que se elimina a cúspide posterior; não tem bons resultados tardios porque a valva pode ficar estenótica ou evoluir para dilatação da cúspide anterior, como descreveram CARPENTIER et al. (3). Controvérsias existem em relação à plastia circunferencial desenvolvida por DeVEGA (2) e o implante do anel de Carpentier. GRONDIN et al. (8), em 1975, compararam as duas técnicas e concluíram que na plastia de DeVega as forças de tensão se dão nos locais de inicio e final da sutura, enquanto que, no anel, as forças de tensão se dão em todo o anel, levando a melhores resultados tardios. Deloche, em discussão do trabalho de McGRATH et al. (15) afirma que, na sua casuística, o retorno da insuficiência tricúspide foi de 6,2% para a plastia, circunferencial e de 0,6% quando foi utilizado o anel de Carpentier. LAMBERTZ et al. (18) avaliaram a longo prazo 51 pacientes operados pela técnica de Carpentier e observaram diminuição significativa do tamanho do átrio direito de 13 para 8 mm. RIVERA et al. (9), realizaram estudo prospectivo e randomizado com anel flexível de Carpentier e anuloplastia de DeVega em 159 pacientes. A incidência de insuficiência moderada ou grave foi mais freqüente na plastia de DeVega do que no grupo com implante do anel (47% x 5%). Mostrou maior eficiência quando se empregou o anel em 94% do que a plastia circunferencial em 53%. COHN (19) comentou que a plastia de DeVega é eficaz somente nas lesões moderadas, enquanto que o implante do anel é mais eficaz nas lesões graves.
Conceito preconizado por CARPENTIER et al. (3) coincide com os achados do presente trabalho. Estes autores descrevem que o anel protético tem a finalidade de remodelação do anel do paciente e que a distribuição das forças de tensão por igual em todo o anel evita a sua dilatação e previne a rotura da cúspide.
CONCLUSÕES
A experiência inicial com o implante do anel de Gregori na posição invertida demonstra que é uma técnica simples e reprodutível. Houve melhora clínica importante e a diminuição do tamanho do ventrículo direito foi significativa, traduzindo regressão do grau de insuficiência. É um procedimento que pode ser empregado rotineiramente nos casos de insuficiência tricúspide importante.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
1 Kay J H, Maselli-Campagna G, Tsuji H K - Surgical treatment of tricuspid insufficiency. Ann Surg 1965; 162: 53-8.
2 DeVega N G - La anuloplastia selectiva, regulable y permanente: una technica original para el tratamiento de la insuficiencia tricuspide. Rev Esp Cardiol 1972; 25: 555-60.
3 Carpentier A, Deloche A, Hanania C et al. - Surgical management of acquired tricuspid valve disease. J Thorac Cardiovasc Surg 1974; 67: 53-65.
4 Duran C M G & Ubago J L - Clinical and hemodynamic performance of a totally flexible prosthetic ring for atrioventricular valve reconstruction. Ann Thorac Surg 1976, 22: 458-63.
5 McCarthy J F & Cosgrove III D M - Tricuspid valve repair with the Cosgrove-Ewards annuloplasty system. Ann Thorac Surg 1997; 64: 267-8.
6 Minale C, Lambertz H, Nilkol S, Gerich N, Messmer B J - Selective annuloplasty of the tricuspid valve: two-year experience. J Thorac Cardiovasc Surg 1990; 99: 846-51.
7 Braunwald N S, Ross Jr. J, Morrow A G - Conservative management of tricuspid regurgitation in patients undergoing mitral valve replacement. Circulation 1967; 35, 36 (Pt. 2): 163-9.
8 Grondin P, Meere C, Limet R, Lopez-Bescos L, Delcan J-L, Rivero R - Carpentier's annulus and DeVega's annuloplasty: the end of tricuspid challenge. J Thorac Cardiovasc Surg 1975; 70: 852-61.
9 Rivera R, Duran E, Ajuria M - Carpentier's flexible ring versus DeVega's annuloplasty: a prospective randomized study. J Thorac Cardiovasc Surg 1985; 89: 196-203.
10 Deloche A, Guerinon J, Fabiani J N et al. - Étude anatomique des valvulopathies rheumatismales tricuspidiennes. Ann Chir Thorac Cardiovasc 1973; 4: 32-7.
11 Gregori Jr. F - Cirurgia reparadora da valva mitral com novo modelo de anel protético. [Tese. Doutorado] São Paulo: Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, 1990. 88p.
12 Carvalho R G - Plástica da valva mitral com emprego do anel de Gregori: análise de 45 pacientes. [Tese. Doutorado] Curitiba: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, 1996. 60p.
13 De Paulis R, Bobbio M, Ottino G et al. - The DeVega tricuspid annuloplasty perioperative mortality and long term follow-up. J Cardiovasc Surg 1990; 31: 512-7.
14 Breyer R H, McClenathan J H, Michaelis L L, McIntosh C L, Morrow A G - Tricuspid regurgitation: a comparison of nonoperative management, tricuspid annuloplasty, and tricuspid valve replacement. J Thorac Cardiovasc Surg 1976; 72: 867-74.
15 McGrath L B, Gonzalez-Lavin L, Bailey B M, Grunkmeir G L, Fernandez J. Laub G W - Tricuspid valve operations in 530 patients: twenty-five-year assesment of early and late phase events. J Thorac Cardiovasc Surg 1990, 99: 124-33.
16 Yada I, Tani K, Shimono T, Shikano K, Okabe M, Kusagawa M - Preoperative evaluation and surgical treatment for tricuspid regurgitation associated with acquired valvular heart disease: the Kay-Boyd method vs Carpentier-Edwards ring method. J Cardiovasc Surg 1990; 31: 771-7.
17 Czer L S C, Maurer G, Bolger A et al. - Tricuspid valve repair: operative and follow-up evaluation by Doppler color flow mapping. J Thorac Cardiovasc Surg 1989; 98: 101-11.
18 Lambertz H, Minale C, Flachskampf FA et al. - Long-term follow-up after Carpentier tricuspid valvuloplasty. Am Heart J 1989; 117: 615-22.
19 Cohn L H - Tricuspid regurgitation secondary to mitral valve disease: when and how to repair. J Cardiovasc Surg 1994; 9: 237-41.