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ORIGINAL ARTICLE

High degree atrioventricular block after cardiac surgery: study of reversibility criterions.

Celso Soares NASCIMENTO0; Luiz Amaury VIOTTI JÚNIOR0; Luiz Henrique Fernandes da SILVA0; Adriana Maria de ARAÚJO0; Antoninha Marta Leite Azevedo BRAGALHA0; Luiz Antônio GUBOLINO0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100010

ABSTRACT

High degree atrioventricular (AV) block is manifested in low incidence (2,1%) during postoperative heart surgery and could be transient or permanent. In the absence of block reversibility criterions. permanent pacemaker (PPM) implantation is recommended when AV block is persistent longer than 15 days. In isolated cases the block could be reversible after this period. Av block occurred in 4 of 300 patients who underwent cardiac surgery. We reviewed their records and confirmed that neither the heart rate nor compared QRS characteristics in the periods before, during or after block, is usefully to predict block reversibility. The intracardiac electrophysiologic study is unnecessary to indication of PPM. Corrected pacemaker recovery time greater than 2 seconds indicates junctional or idioventricular activity uncertain and should be investigated as block reversibility criterion.

RESUMO

O bloqueio atrioventricular de alto grau (BAVG) pode se manifestar, em pequena incidência (2,1%), no pós-operatório de cirurgia cardíaca e ter caráter temporário ou permanente. Na ausência de critérios de reversibilidade, o tempo de permanência superior a 15 dias é indicativo de marcapasso cardíaco permanente (MPCP). Casos isolados poderão reverter após este período. Num estudo de 4 casos de bloqueio em 300 intervenções cardíacas, os autores confirmam que a freqüência cardíaca e a comparação das características do QRS nos períodos antes, durante e após o bloqueio não constituem critérios de reversibilidade; o eletrograma do feixe de His é dispensável na adoção da conduta; o período de 15 dias é adequado para a indicação do MPCP e o tempo corrigido de recuperação do marcapasso é indicativo de atividade juncional ou idioventricular incerta e deve ser estudado como critério de reversibilidade.
INTRODUÇÃO

A estimulação cardíaca artificial temporária pode ser necessária no pós-operatório de uma intervenção cardíaca em virtude de bloqueio atrioventricular de alto grau manifesto após o procedimento (1-3). Evidenciam-se como causas do bloqueio os distúrbios metabólicos, o efeito residual da cardioplegia, o edema, a reação inflamatória e a hemorragia junto ao tecido de condução, a anóxia, o suporte terapêutico medicamentoso, a lesão iatrogênica do tecido de condução e a fibrose (4,5). O bloqueio poderá apresentar caráter temporário ou definitivo, quando, então, se imporá a estimulação cardíaca artificial definitiva, através do marcapasso cardíaco (MPC). Não existem critérios definidos que permitam prognosticar a evolução do bloqueio quanto à sua reversibilidade. Desta forma, o Departamento de Estimulação Cardíaca Artificial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (DECA-SBCCV) orienta para o implante do MPC nos casos em que o bloqueio perdure por período superior a 15 dias e com ritmo de escape infranodal (classe I) ou nodal (classe II) (6).

O eletrograma do feixe de His (EFH) tem sido apontado como auxiliar da indicação do implante do MPC nestes casos, quando o local do bloqueio está na porção intra-ou infra-HIS (7), porém, seu uso encontra-se ainda limitado e nem sempre sua utilização é preconizadaI.

Em 1 paciente em nosso Serviço, após a permanência de 24 dias em bloqueio, realizamos o implante do MPC; no dia seguinte, houve reversão; isto nos levou a revisão do assunto, objetivando reconhecer se outros critérios além do tempo poderiam nortear a conduta.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de 20 meses, entre agosto de 1993 e maio de 1995, foram realizadas, em nosso Serviço, 300 intervenções cardíacas com circulação extracorpórea (CEC). Quatro (1,33%) pacientes exigiram a estimulação cardíaca artificial temporária, pelo tempo médio de 12 dias, por apresentarem um BAVAG no pós-operatório. A estimulação foi com eletrodos epimiocárdicos temporários, rotineiramente implantados no intra-operatório de todos os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. A média de idades foi de 45,5 anos, variando de 25 a 64 anos. Três pacientes eram do sexo masculino. Os procedimentos cirúrgicos foram: dois implantes de prótese aórtica, uma revascularização do miocárdio e uma ventriculosseptoplastia para correção de comunicação interventricular perimembranosa.

A indicação do implante do MPC seguiu os critérios estabelecidos pelo DECA-SBCCV (6).

Os prontuários dos pacientes foram revisados para identificação dos fatores predisponentes e das características do complexo ventricular, concernentes ao seu eixo, duração, tempo de ativação e morfologia, nos períodos compreendidos antes, durante e após a ocorrência do BAVAG, buscando encontrar critérios que pudessem prognosticar a reversibilidade do bloqueio.

RESULTADOS

Em nenhum dos pacientes havia distúrbios de condução no pré-operatório.

A densa calcificação do anel aórtico foi observada nos 2 pacientes submetidos ao implante de prótese aórtica nos quais a lesão iatrogênica do tecido de condução foi presumida, na ressecção inadvertida do tecido subaórtico, na excisão da valva, estabelecendo uma comunicação interventricular subaórtica, que necessitou de ventriculosseptoplastia para correção.

Nenhum procedimento envolvendo a valva tricúspide foi executado.

A proteção miocárdica utilizada foi do tipo cristalóide (St. Thomas II) em 2 pacientes e sangüínea (Buckberg) nos outros 2 casos e foi considerada eficiente em todos eles.

As pequenas variações hidro-eletrolíticas e ácido-básicas ocorridas foram prontamente corrigidas e não constituíram distúrbios metabólicos pertinentes ao desenvolvimento de bloqueio.

O tipo da BAVAG desenvolvido foi, exclusivamente, o bloqueio atrioventricular total. O tempo médio de aparecimento do bloqueio foi de 18 horas após o procedimento (variação de 0h a 48h). Com a manifestação do bloqueio, a estimulação cardíaca temporária, através dos eletrodos epimiocárdicos instalados no intra-operatório, foi efetiva em todos os casos, permitindo o tratamento adequado. O bloqueio foi persistente por período superior a 15 dias em 2 pacientes, que, então, receberam um implante de marcapasso cardíaco definitivo. Em 1 destes pacientes houve a reversão do bloqueio. Nos 3 pacientes em que o bloqueio foi transitório, a permanência média foi de 10 dias, com variação de 3 a 24 dias.

Mesmo após o retorno a ritmo sinusal, foram observados, na totalidade dos casos, distúrbios de condução manifestos por bloqueio atrioventricular do primeiro grau associado a bloqueio de ramo direito (1 caso), bloqueio de ramo direito (1 caso) e bloqueio de ramo esquerdo (1 caso).

A análise das características do complexo ventricular demonstrou não ter havido semelhança durante e após o bloqueio comparada ao período prévio. Em 2 casos foram similares nos períodos durante e após e em outros 2 as características foram distintas nos três momentos.

O paciente submetido à revascularização do miocárdio apresentou, no dia anterior ao procedimento, sinais eletrocardiográficos de isquemia ântero-ínfero-lateral.

Os principais achados em cada caso estão representados na Tabela 1.



COMENTÁRIOS

A incidência (1,33%) do bloqueio atrioventricular de alto grau no pós-operatório de cirurgia cardíaca encontrada em nosso Serviço é abaixo da descrita na literatura (2,1%) (4). Não se atribui predominância baseada no sexo. A predominância observada na literatura das intervenções valvares também ocorreu em nossa casuística (4).

Os fatores predisponentes do bloqueio atrioventricular no pós-operatório de cirurgia cardíaca foram identificados por GOLDMAN et al. (4): presença de distúrbios de condução pré-operatórios, idade avançada (acima de 51 anos), densa calcificação do anel aórtico, operação envolvendo a valva tricúspide e proteção miocárdica ineficiente.

Em nossos casos, somente a idade avançada (2 casos) e a densa calcificação do anél aórtico (2 casos) foram identificados como predisponentes.

A lesão iatrogênica do tecido de condução tem sido grandemente evitada com os conhecimentos precisos da sua localização e das suas variações nos defeitos congênitos. A sua ocorrência não pode ser afirmada, mesmo frente às fortes evidências, e a conduta não deve ser alterada por caráter presumível. Este fato foi bastante evidente em nossos 2 casos com densa calcificação do anel aórtico e CIV subaórtica iatrogênica na retirada da valva, onde a lesão foi presumida e, contudo houve regressão do bloqueio.

A ocorrência do BAVAG correlacionada a cirurgia cardíaca pode ser facilmente contornada, sem impor riscos adicionados à recuperação do paciente, graças à estimulação cardíaca artificial temporária, com o uso rotineiro dos eletrodos epimiocárdicos instalados por ocasião do procedimento (8), como o ocorrido na nossa casuística.

A análise das características do complexo ventricular nos períodos antes, durante e após a ocorrência do bloqueio comprova os achados de NISHIMURA et al. (9) de que nenhuma característica pode diferenciar os pacientes que permanecem em bloqueio daqueles que retornam a uma condução atrioventricular normal. O maior porcentual (60%) de pacientes não restabelece, após o bloqueio, as características iniciais do QRS (9). Em nosso estudo este percentual foi de 100%. Nem a freqüência cardíaca nem a duração do QRS durante o período do bloqueio são fatores preditivos de reversibilidade do mesmo (9, 10).

Cerca de 50% dos BAVAG temporários no pós-operatório de cirurgia cardíaca revertem ao ritmo sinusal entre 2 e 4 semanas (9). Após este período, a probabilidade de reversão é reduzida. Na ausência de critérios mais precisos, o tempo foi o principal fator indicativo do implante de marcapasso cardíaco permanente.

O local do bloqueio no feixe de HIS identifica a estrutura que assume o ritmo de escape e, portanto, a maior ou menor capacidade de manutenção adequada do ritmo cardíaco. Os bloqueios supra-His apresentam boa atividade rítmica, de bom prognóstico, em contraposição aos bloqueios intra e infra-His (7).

A distinção do local do bloqueio do feixe de His não pode ser feita com base no eletrocardiograma de superfície e também não há correlação entre o tipo de BAV (primeiro, segundo ou terceiro grau) e este local, de maneira que somente o eletrograma do feixe de His pode demonstrar com clareza o sítio do bloqueio (9, 11).

DRISCOLL et al. (12) preconizam a utilização do eletrograma do Feixe de His para nortear a conduta frente aos bloqueios atrioventriculares no pós-operatório (Quadro 1).

QUADRO 1

Marcapasso Temporário - 2 semanas



Proposta de manipulação do BAVAG induzido cirurgicamente: BAV = bloqueio atrioventricular; BRD = bloqueio de ramo direito; EFH = eletrograma do feixe de His; HBAE = Hemibloqueio anterior esquerdo; H-V = intervalo entre as despolarizações hisiana e ventricular; MPD = marcapasso cardíaco definitivo; QRS = complexo ventricular (adaptado de DRISCOLL et al.).

Devida à limitação do EFH em muitas instituições, o método não pode ser amplamente aplicado. COSTAII considera desnecessária sua utilização, mesmo quando disponível, por creditar ao critério tempo de bloqueio, efetividade prognóstica quanto ao bloqueio e ainda refere que cerca de 5% dos bloqueios que atingem a duração de 15 dias reverterão. O caso que nos estimulou a este trabalho estaria dentro deste contexto.

Como pode ser observado no Quadro 1, a única situação distinta que o EFH evidenciaria, em comparação à conduta adotada sem a utilização deste método seria a do BAVAG ocorrendo na porção supra-His, onde, segundo DRISCOLL et al. (12), o implante de marcapasso cardíaco não estaria indicado. Esta condição é classificada segundo o DECA-SBCCV como indicação de classe II, ou seja, de indicação freqüente, com controvérsias, onde o senso clínico deve nortear as decisões individualizadas (6). Considerando o BAVAG, no pós-operatório de cirurgia cardíaca como uma lesão iatrogênica, que imprime grande responsabilidade sobre a evolução do paciente, o implante do marcapasso cardíaco nos parece bastante justificado.

O tempo corrigido de recuperação do marcapasso acima de 2 segundos tem sido apontado como indicativo de atividade juncional ou idioventricular incerta e, conseqüentemente, de implante de marcapasso cardíaco artificial na situação em estudo (13). Infelizmente, não dispusemos deste dado para análise em nossa casuística. Um estudo procurando demonstrar sua aplicabilidade como um critério de prognóstico de reversibilidade do bloqueio seria bastante útil.

Pacientes que apresentaram o BAVAG temporário estão sujeitos ao seu reaparecimento tardio. NISHIMURA et al. (9) evidenciaram que, quando as características do complexo ventricular de escape são similares àquelas após a regressão do BAVAG, a ocorrência do bloqueio tardio torna-se remota e, inversamente, quando as características não são semelhantes, existe um alto risco para o bloqueio tardio. Dois dos nossos casos enquadram-se nas características de alto risco para o bloqueio tardio. Um deles já é portador do MPC definitivo no qual foi realizada uma programação de Histerese e, desta forma encontra-se "protegido" da ocorrência do bloqueio tardio. O outro tem recebido uma observação criteriosa, conforme o preconizado.

CONCLUSÕES

Em nosso estudo, nenhum critério de prognóstico da reversibilidade de um BAVAG manifesto no pós-operatório de cirurgia cardíaca foi encontrado.

O período de 15 dias é adequado na expectativa da reversão do bloqueio e o implante de marcapasso cardíaco após este período é justificado, independentemente do seu local, o que torna o EFH dispensável.

Casos esporádicos poderão apresentar reversão do bloqueio após 15 dias, porém, não devem alterar a credibilidade da conduta estabelecida, sobretudo em face aos riscos e caráter iatrogênico da lesão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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13 Goldman B S, Williams W G, Hill T et al - Permanent cardiac pacing after open-heart surgery: congenital heart disease. PACE 1984; 8: 732-9.

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