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ARTIGO ORIGINAL

Rotura traumática da aorta torácica: tratamento cirúrgico

Dielson Teixeira SAMPAIO0; João Marcos de Vasconcellos SANTOS0; Nílcio Cunha LOBO Jr.0; João Virgílio Uchoa FIGUERÓ0; Caetano S. LOPES0; Fernando R. NOVAES0; Maurício Cleber de PAULA FILHO0; Giovani Cardoso VERSIANI0; Carlos Camilo Smith FIGUEROA0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100007

RESUMO

No período de julho de 1986 a dezembro de 1995, foram operados 12 pacientes com rotura traumática da aorta torácica. Nove pacientes apresentavam rotura aguda da aorta e 3 rotura crônica. Em todos os pacientes a lesão localizava-se logo abaixo da emergência da artéria subclávia esquerda (istmo). Onze pacientes foram operados sob pinçamento aortico simples e em apenas 1 associamos shunt não heparinizado entre a artéria subclávia esquerda e a aorta descendente. O tempo médio de pinçamento aórtico foi de 33,2 minutos. Onze pacientes sobreviveram. Um paciente faleceu no pós-operatório imediato, devido a sangramento, e outro apresentou paresia de membros inferiores. Dez pacientes evoluíram sem complicações no pós-operatório. Concluímos que a correção da rotura traumática da aorta torácica, sob pinçamento aórtico simples, é técnica aceitável no tratamento cirúrgico desta lesão.

ABSTRACT

From July 1986 to December 1995 twelve patients with traumatic rupture of the thoracic aorta were operated on. Nine patients had an acute injury and three had chronic injury. In all patients the lesion was located in the isthmus. Eleven patients were operated on with simple cross-clamp and in just one patient a shunt without heparin, between the left subclavian artery and thoracic aorta, was done. Medium aortic occlusion time was 33.2 minutes. Eleven patients are alive. There was one hospital death (8.3%) due to bleeding. One patient developed paresis of the lower limbs. Ten patients survived without complications. In our opinion the simple cross clamp technique is acceptable in the surgical repair of the traumatic rupture of the thoracic aorta.
INTRODUÇÃO

A rotura traumática da aorta torácica é responsável por 10% a 20% das mortes atribuídas a acidentes por veículos automotores, na sua maioria em alta velocidade (1); estima-se que apenas 10% a 15% das vítimas sobrevivam. Destes, a maioria morre dentro das primeiras 24h pós-trauma (1); entretanto, se diagnóstico e tratamento são prontamente estabelecidos o prognóstico é favorável (2).

Consideramos rotura aguda da aorta torácica aquela com até 3 meses de evolução, e crônica além desse período (3).

O presente estudo visa descrever nossa experiência no tratamento cirúrgico dessa lesão.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram revisados os casos de rotura traumática da aorta torácica operados pela nossa equipe no Hospital Felício Rocho, no período de julho de 1986 a dezembro de 1995.

Nesse período, foram operados 12 pacientes, sendo 9 do sexo masculino e 3 do feminino. A média de idades foi de 23,3 anos, variando de 15 a 59 anos (Tabelas 1 e 2).





Todos os pacientes tiveram o primeiro atendimento em outras instituições. Do total, 7 foram inicialmente admitidos em hospitais da região metropolitana de Belo Horizonte e 5 em hospitais do interior do Estado. Todos foram vítimas de acidentes de trânsito e apresentavam politraumatismos. Dos 9 em fase aguda do trauma, 7 foram abordados nas primeiras 48 horas após o trauma, 1 no sexto dia após o acidente e outro 15 dias após. Dos 3 em fase crônica, 1 foi operado aos 4 meses, 1 aos 8 meses e outro aos 5 anos após acidente de automóvel.

As lesões associadas podem ser analisadas na Tabela 3.



Em 11 pacientes a presença de alargamento do mediastino superior, ao exame radiológico do tórax, foi que levou à suspeita de lesão em aorta torácica (Figura 1). Em 1 paciente a presença de sopro ejetivo no foco aórtico com irradiação para o pescoço, diante de um quadro de acidente por desaceleração, foi o sinal para suspeita diagnóstica. Em todos os casos a lesão foi confirmada por aortografia com localização no istmo da aorta, logo abaixo da artéria subclávia esquerda (Figura 2).


Fig.1 - Radiografia simples do tórax. Observa-se alargamento do mediastino.


Fig.2 - Aortografia mostrando lesão traumática logo abaixo da subclávia esquerda.

Antes da indução anestésica, foram isolados quatro acessos venosos calibrosos, duas veias centrais e duas veias periféricas em membro superior, para o caso de necessidade de infusão rápida de soluções salinas e/ou hemoderivados, e monitorização da pressão em artéria radial direita.

A via de acesso utilizada foi a toracotomia póstero-lateral esquerda no 4º espaço intercostal. Foram dissecadas a aorta torácica proximal e distal à lesão, e a emergência das artérias subclávia e carótida esquerdas. Os ramos arteriais emergentes da aorta torácica, na região do hematoma traumático, foram reparados. O pinçamento aórtico proximal foi, de preferência, entre as artérias subclávia esquerda e carótida esquerda. Em todos os casos a lesão consistia na rotura total da parede do vaso, por vezes com distanciamento dos cotos. A camada adventícia e/ou pleura mediastinal continham o processo hemorrágico.

Feita heparinização distal à pinça da aorta com infusão de 300 ml a 500 ml de solução salina acrescida de 1 cc de heparina. As lesões foram tratadas com interposição de enxerto (Dacron Woven), compatível com o diâmetro do vaso, em anastomose término-terminal por sutura contínua com Polipropileno 3-0 (Figura 3).


Fig.3 - Desenho da interposição do enxerto aórtico.

Em apenas uma ocasião, foi associado ao pinçamento aórtico, shunt não heparinizado (Politetrafluoroetileno com 8 mm de diâmetro) entre a artéria subclávia esquerda e a aorta distal, com pinçamento proximal da aorta logo após a artéria subclávia esquerda.

RESULTADOS

Onze pacientes sobreviveram. Um paciente faleceu no pós-operatório imediato, por sangramento e choque hipovolêmico. Um paciente evoluiu com paresia de membros inferiores. Dez pacientes tiveram excelente evolução pós-operatória.

O tempo médio de pinçamento aórtico foi de 33,2 minutos, mínimo de 20 minutos e máximo de 45 minutos. Em 8 pacientes foi inferior ou igual a 30 minutos.

COMENTÁRIOS

A rotura traumática da aorta torácica geralmente ocorre em traumas que produzam desaceleração horizontal aguda. O arco aórtico e a aorta torácica descendente desaceleram em velocidades diferentes, resultando numa rotura transversa da aorta ascendente ou do istmo aórtico (4).

Cerca de 80% dos pacientes com rotura traumática da aorta exsanguinam imediatamente. Em geral, a lesão dos sobreviventes localiza-se logo após a emergência da artéria subclávia esquerda. Nesses pacientes, a hemorragia é contida pela adventícia da aorta e/ou pela pleura mediastinal.

O risco de rotura fatal dentro do hemitórax esquerdo está sempre presente, sobretudo nos 2 primeiros meses de evolução. Se a rotura não ocorre nesse período, um pseudo-aneurisma desenvolve-se lentamente, cuja expansão leva a sintomas de compressão do brônquio fonte esquerdo (4). O achado radiológico de massa mediastinal calcificada pode alertar para o diagnóstico. Dos nossos pacientes operados em fase crônica, todos vítimas de acidente automobilístico, 1 apresentou dor torácica anterior aguda 4 meses após, outro dispnéia aos esforços e dor em região posterior do hemitórax esquerdo 8 meses após o trauma e, em outro paciente com relato de acidente há 5 anos, detectou-se alargamento mediastinal durante avaliação de admissão profissional.

Freqüentemente, não há sinais ou sintomas característicos em paciente com trauma fechado do tórax que indiquem a presença de rotura da aorta torácica. Comumente, há múltiplas fraturas, hemotórax, dispnéia e choque. Pulsos periféricos são usualmente normais e sopros são raros (4).

CLARK et al. (2) afirmam que o achado de hemotórax esquerdo (maior que 500 cc), pulsos femorais consideravelmente mais fracos do que nas extremidades superiores (pseudo-coarctação) ou a presença de hematoma supraclavicular são pistas específicas para a presença de lesão aórtica constituindo sinais de alto risco de exsanguinação.

Todas as vítimas de acidente por desaceleração em alta velocidade devem ser consideradas suspeitas de trauma aórtico. O melhor exame para suspeita da rotura traumática de aorta torácica é a radiografia do tórax (2).

KODAL et al. (1), em sua série de 64 pacientes, encontraram que os achados radiológicos mais comuns são: alargamento mediastinal (81%); fratura de arcos costais (63%); desvio de esôfago indicado por desvio de sonda nasogástrica (60%); hemotórax (36%) e condensação apical (27%). Para esses autores, evidências radiológicas de mediastino alargado, compressão do brônquio fonte esquerdo, desvio do esofago, desvio da traquéia e mascaramento do contorno aórtico em 1 paciente com trauma por desaceleração, indicam a aortografia imediata. Nenhum sinal radiológico isolado prediz totalmente a rotura da aorta.

Em 11 dos nossos pacientes, foi a presença de alargamento do mediatisno na radiografia do tórax que levou à suspeita de lesão aórtica. Em 1 caso a presença de sopro ejetivo em foco aórtico, considerado raro, foi o que nos levou a indicar aortografia. Esse foi o exame definitivo utilizado em todos os casos. Todas as lesões localizavam-se no istmo aórtico.

BUCHMASTER et al. (5) descrevem sua experiência com a ecocardiografia transesofágica na avaliação das lesões da aorta torácica, que, quando identifica imagem característica no istmo aórtico, define o diagnóstico, permitindo a abordagem cirúrgica; é, portanto, 100% sensível e específico para o trauma aórtico.

RABINSKY et al. (6), avaliando 823 pacientes de séries cirúrgicas com rotura da aorta, encontraram que, em 96,7% dos casos, a lesão localizava-se no istmo, em 2,3% na aorta ascendente ou arco aórtico e, em apenas 1%, na aorta descendente. Comparativamente, também analisaram 740 casos coletados em autópsias. Destes, 50,4% tinham rotura no istmo, enquanto que 27,2% tinham roturas localizadas na aorta ascendente e 15,7% na aorta descendente.

O tratamento da rotura traumática da aorta torácica é, preferencialmente, cirúrgico e deve ser estabelecido o mais rápido possível, devido ao risco de exsanguinação. O adiamento temporário ou definitivo da operação e o tratamento com anti-hipertensivos e/ou betabloqueadores pode ser necessário em alguns casos. AKINS et al. (7) descreveram os critérios para adiar-se ou evitar-se a operação nesses pacientes. São eles: trauma maior do sistema nervoso central, queimaduras ou feridas abertas extensas que acarretam risco de infecção, sepses estabelecida e insuficiência respiratória acentuada.

Em 1985, MATTOX et al. (8) recomendaram que o reparo cirúrgico com pinçamento simples é técnica segura para a abordagem da lesão traumática da aorta torácica; baseando-se numa extensa revisão da literatura sobre 571 casos, encontraram que a paraplegia ocorre em 4,5% dos operados sob by-pass cardiopulmonar parcial, em 8,3% daqueles submetidos a pinçamento da aorta simples e, em 10,3% daqueles com suporte de shunt, sendo as mortalidades respectivas de 33%, 13% e 15%. O by-pass cardiopulmonar com heparinização sistêmica parece aumentar a morbidade e mortalidade cirúrgicas, especialmente em pacientes com trauma craniano (1).

Tivemos mortalidade de 8,3%. Um dos nossos pacientes (56 anos, trauma há 4 meses), faleceu no pós-operatório imediato por sangramento na anastomose, após crise hipertensiva na Unidade de Tratamento Intensivo.

Em 11 pacientes a operação foi com pinçamento aórtico simples; em apenas 1 caso, associamos shunt não heparinizado (politetrafluoretileno de 8 mm) entre a artéria subclávia esquerda e a aorta descendente.

O estudo de KATZ et al. (9) para fatores de risco potenciais de lesões do trato espinal, sugere que estas provavelmente ocorrem após longos períodos de pinçamento aórtico, quando nenhum shunt é usado para perfundir a aorta distal. Os autores recomendam clampeamento aórtico simples apenas se o tempo de isquemia estiver dentro dos limites de 30 minutos.

A melhor técnica para proteger o trato espinal e os rins durante a operação permanece controversa. A proteção completa contra a paraplegia pode ser impossível nesses pacientes politraumatizados, desde que múltiplos fatores são responsáveis pela isquemia medular (1). A paraplegia pós-operatória parece relacionar-se a uma combinação de fatores, como a anatomia da circulação do trato espinal, o envolvimento dessa circulação por processo ateromatoso e a hipotensão durante e após a operação.

Em nossos pacientes, o tempo médio de isquemia per-operatória foi de 33,2 minutos; em 8 desses pacientes o tratamento foi feito com tempo de pinçamento aórtico menor ou igual a 30 minutos. Um (8,3%) paciente evoluiu no pós-operatório com paresia de MMII, no qual a operação foi feita com clampeamento aórtico simples, com tempo de isquemia em torno de 45 minutos e na vigência de hipotensão. Diante da experiência acumulada, recomenda-se que o pinçamento aórtico se faça sob regime de pressões mais elevadas, tendo-se como referência a monitorização de pressão intra-arterial em torno de 100 mmHg.

É importante para o sucesso cirúrgico a realização rápida das anastomoses com dissecação e controle hemostático prévio dos ramos aórticos envolvidos no hematoma traumático, de modo a evitar sangramentos. Temos evitado enlaçar a aorta proximal e distal à lesão, uma vez que é manobra de risco, podendo levar a traumas do esôfago, traquéia ou parede posterior da aorta.

Concluindo, acreditamos que o tratamento cirúrgico da rotura traumática da aorta torácica, pela técnica de pinçamento simples, fornece resultados satisfatórios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Kodali S, Jamieson W R E, Stephens M, Miyagishima R J, Janusz M T, Tyers G F O - Traumatic rupture of the thoracic aorta: a 20 year review: 1969-1989. Circulation 1991; 84 (Suppl.3): 40-6.

2 Clark D E, Zeiger M A, Wallace K L, Packard A B, Nowicki E R - Blunt aortic trauma: signs of high risk. J Trauma 1990; 30: 701-5.

3 Crawford E S & Crawford J L - Diseases of the aorta. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984: 377-86.

4 Rich N M & Spencer F C - Vascular trauma. Philadelphia: W B Saunders, 1978: 425-40.

5 Buckmaster M j, Kearney P A, Johnson S B, Smith M D, Sapin P M - Further experience with transesophageal echocardiografy in the evaluation of thoracic aortic injury. J Trauma 1994; 37: 989-95.

6 Rabinsky J, Sidhu G S, Wagner R B - Mid-descending aortic traumatic aneurysms. Ann Thorac Surg 1990; 50: 155-60.

7 Akins C W, Buckley M J, Dagget W - Acute traumatic disruption of the thoracic aorta: a 10 year experience. Ann Thorac Surg 1981; 31: 305-9.

8 Mattox K L, Holzman M, Pickard L R, Beall Jr. A C, De Bakey M E - Clamp/Repair: a safe technique for treatment of blunt injury to descending thoracic aorta. Ann Thorac Surg 1985; 40: 456-63.

9 Katz N M, Blackstone E H, Kirklin J W, Karp R B - Incremental risk factors for spinal cord injury following operation for acute traumatic aortic transection. J Thorac Cardiovasc Surg 1981; 81: 669-74.

Article receive on quarta-feira, 1 de janeiro de 1997

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