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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento da fibrilação atrial com ablação por ultrassom, durante correção cirúrgica de doença valvar cardíaca

Rosaly Moraes Marques LinsI; Ricardo de Carvalho LimaII; Frederico Pires Vasconcelos SilvaIII; Alexandre Motta de MenezesIV; Pedro Rafael SalernoV; Emmanuel Caou ThéVI; Diana SepúlvedaVII; Eugênio AlbuquerqueVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000300008

RESUMO

Objetivo: Este estudo visa avaliar a eficácia do tratamento cirúrgico da fibrilação atrial com ablação por ultrassom, concomitante à cirurgia valvar mitral, em pacientes do Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (PROCAPE) portadores de fibrilação atrial permanente. Métodos: De março 2008 até janeiro 2009, foi realizado no PROCAPE um estudo prospectivo com 44 pacientes consecutivos, portadores de fibrilação atrial permanente e indicação de cirurgia valvar mitral. Vinte e dois pacientes foram submetidos à ablação com ultrassom no epicárdio do átrio direito (AD) e no endocárdio do átrio esquerdo (AE) concomitantemente ao reparo valvar. Os outros 22 pacientes foram submetidos ao procedimento valvar sem ablação por ultrassom. Pacientes com doença coronária diagnosticada e outras enfermidades graves foram excluídos da pesquisa. Resultados: Foi observada 90% de reversão da FA a ritmo sinusal no pós-operatório imediato dos pacientes que receberam ablação por ultrassom concomitante ao reparo mitral. A evolução no pós-operatório tardio mostrou queda na permanência da reversão a sinusal, porém o grupo que recebeu intervenção ainda apresentou percentual superior a 27% em relação ao grupo controle. Dos 22 pacientes submetidos à ablação com ultrassom, 86,40% apresentaram melhora da classe funcional e não foi constatado neste grupo maior ocorrência de complicações do que no grupo que foi submetido à correção valvar sem ablação. Conclusão: Os resultados apresentados pelo estudo demonstraram que os pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da FA, com aplicação de ultrassom concomitante à correção valvar, apresentaram vantagens em relação ao grupo controle.

ABSTRACT

Objective: This study aims to evaluate the surgical treatment of atrial fibrillation with ultrasound ablation concomitant to mitral surgery in PROCAPE's patients with permanent atrial fibrillation. Methods: From March 2008 through January 2009 a prospective study was performed at the Pernambuco Cardiology Emergency Facility on 44 consecutive patients with a permanent atrial fibrillation and concomitant cardiac valvular surgery indication, from March 2008 through January 2009 at Pernambuco Cardiology Emergency Facility Twenty two patients underwent epicardial ultrasonic ablation on the right atrium and had ultrasonic ablation performed in the left atrium endocardial concomitant with the valve procedure. The other 22 patients, the concurrent controls were submitted to valve procedure without ultrasonic ablation. Patients with serious diseases such as coronary and others were excluded of the research. Results: It was observed 90% restoration to sinus rhythm immediately after surgery in patients submitted to treatment of atrial fibrillation with ultrasound ablation simultaneous a mitral surgery. The evolution in late post operation showed that the maintenance of sinus rhythm drops although it was still 27% higher in the group which received ablation compared with the control group. 86.40% of the patients who received ablation had improved in functional class; they also have fewer complications than patients in the control group. Conclusion: The results showed that the patients who received treatment for atrial fibrillation simultaneously with valvar surgery had advantages related to the control group.
INTRODUÇÃO

A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia comum na prática clínica e afeta aproximadamente 2,5 milhões de pacientes nos Estados Unidos[1]. Frequentemente ocorre em pacientes com doença valvar mitral da segunda à quarta década de vida[2]. Está relacionada com alta ocorrência de tromboembolismo cerebral ou pulmonar e insuficiência cardíaca, principalmente quando ocorre em portadores de doença valvar[3].

O tratamento clínico medicamentoso da FA consome muito tempo e alto custo financeiro[4] e a morbi-mortalidade relacionada justifica o interesse para que se encontre alguma técnica cirúrgica que possa reverter a FA, principalmente nos casos de FA permanente que não reverte com antiarrítmicos ou cardioversão elétrica[5,6].

A partir da década de 1980, técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas para o tratamento da FA permanente. A técnica cirúrgica Maze III, que utiliza múltiplas incisões e suturas nos átrios, tem demonstrado ser efetiva. Porém, por ser complexa, aumentar o tempo de circulação extracorpórea (CEC), aumentar o tempo de anoxia e estar associada a maior risco de sangramento, não tem sido largamente adotada pela comunidade cirúrgica[7,8].

Abordagens que utilizam energias alternativas têm sido desenvolvidas para agilizar e simplificar o tratamento da FA[3].

Pesquisadores da França, Espanha, Bélgica e dos Estados Unidos constataram que a utilização do ultrassom para ablação da FA aplicado no epicárdio atrial apresentou número significativo de reversão da FA a sinusal[9].

No Brasil, Brick et al.[2] utilizaram o bisturi de ultrassom no tratamento intra-operatório da FA permanente em 27 pacientes. Os autores constataram que a técnica operatória foi simples e que 81,4% dos pacientes apresentavam ritmo sinusal, na alta hospitalar.

O presente estudo foi desenvolvido com o intuito de pesquisar se a aplicação de ultrassom para ablação da FA permanente, durante correção cirúrgica de doença valvar mitral, seria de fácil execução e capaz de converter o ritmo de FA permanente a sinusal.


MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido no Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco Luis Tavares da Silva (PROCAPE) vinculado à Universidade de Pernambuco (UPE). Os pacientes tinham indicação para plastia ou troca da valva mitral e FA permanente antes da intervenção cirúrgica.

O estudo foi delineado como ensaio clínico, prospectivo, tratamento, controle concorrente.

Critérios de Inclusão

a) Presença de FA permanente (FAP) com duração de pelo menos de 1 mês;
b) Portadores de doença valvar com indicação de tratamento cirúrgico;
c) Idade igual ou superior a 18 anos e inferior a 70 anos;
d) Assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Critérios de exclusão

a) Presença de FA nunca tratada com fármacos ou cardioversão elétrica antes da cirurgia;
b) Não aceitar participar do estudo.;
c) Portador de doenças graves como insuficiência renal, hepática, respiratória, câncer em estágio avançado, insuficiência cardíaca com fração de ejeção inferior a 35%;
d) Gestante;
e) Portador de doença pulmonar obstrutiva crônica;
f) Portador de hipertireoidismo;
g) Transplantado ou candidato a transplante;
h) Paciente submetido a implante de stent, portador de infarto do miocárdio agudo ou crônico;
i) Contraindicação ao uso de amiodarona.

Definição de casos

Foi considerado caso, o paciente portador de doença valvar mitral com indicação de tratamento cirúrgico segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia [10]. Apresentar FA permanente, conforme definição do "American College of Cardiology" (ACC) [5]. Os casos, além de serem submetidos à cirurgia para correção da doença valvar, foram submetidos à compartimentação atrial por meio da realização de linhas de ablação feitas com bisturi de ultrassom no epicárdio do AD e no endocárdio do AE. Os pacientes submetidos a este tipo de intervenção constituíram o grupo tratamento (GT).

Definição do grupo controle

Os pacientes que constituíram o grupo controle (GC) apresentavam as mesmas características definidas para os casos, exceto por não serem submetidos à aplicação de linhas de ablação feitas com bisturi de ultrassom.

Características pré-operatórias dos pacientes

De março 2008 a janeiro 2009, foram operados (no local do estudo) 128 pacientes para correção cirúrgica da valva mitral, 44 (34,38%) deles enquadravam-se nos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para o presente estudo e constituíram o total da amostra. Vinte e dois (50%) dos pacientes da amostra foram submetidos à correção da valva mitral associada à ablação com ultrassom, os outros 22 (50%) constituíram o GC e foram submetidos apenas a plastia ou troca valvar.

Dos 44 pacientes, 14 (31,82%) eram do sexo masculino e 30 (68,18%) do sexo feminino. No grupo GT, sete (31,82%) eram do sexo masculino e 15 (68,18%) do sexo feminino, com igual ocorrência no GC.

A idade média dos pacientes do estudo foi de 48 anos, sendo a mínima 27 e a máxima 69 anos. No grupo GT, a idade média foi de 45,77±11,84 anos. No grupo GC, a média foi de 51,09±10,16 anos.

Na admissão hospitalar, sete (31,82%) dos pacientes GT se encontravam em CF III e 15 (68,18%) em CF IV. No grupo GC ,13 (59,09) pacientes estavam em CF III e nove (40,91%), em CF IV.

A média das dimensões do AE dos 44 pacientes no pré-operatório foi igual a 58,86mm (±8,95). No GT, a dimensão média do AE pré-operatório foi igual a 57,31mm (±8,43) e a mediana igual a 56,5mm. No GC, a média do AE foi igual a 60,40mm (±9,37) e a mediana igual a 56,00mm.

As características pré-operatórias estão resumidas na Tabela 1.




No GT, 15 (68,18%) apresentaram correção cirúrgica de uma valva (a mitral) e sete (31,82%) foram submetidos simultaneamente à intervenção em duas valvas. No GC, 17 pacientes foram submetidos apenas à correção cirúrgica da valva mitral e cinco a correção de duas valvas.

Cuidados pré-operatórios

Antes de serem submetidos a tratamento cirúrgico, todos os pacientes já tinham sido tratados com fármacos antiarrítmicos ou cardioversão elétrica, tendo permanecido em FA. Foi identificada a classe funcional (CF) de cada um dos pacientes e o diagnóstico de FA permanente. Foram realizados eletrocardiogramas e ecocardiogramas pré-operatórios, com o mesmo padrão técnico.

Os pacientes foram avaliados pelo mesmo médico investigador no pré e no pós-operatório.

Técnicas de ablação

Linhas de ablação no epicárdio em AD: a 1a linha realizada em torno da na cava superior (CS), a 2a ao redor da cava inferior (CI) até o anel tricúspide, a 3a ligando as linhas da CS e CI, a 4a linha na base da aurícula direita, que não foi excluída e a 5a linha entre a base da aurícula direita e a borda superior do anel da valva tricúspide.

Linhas de ablação no endocárdio do AE realizadas em locais semelhantes aos da técnica de Maze, com a utilização de bisturi de ultrassom na potência três: a 1a linha de ablação foi realizada ao redor dos orifícios das veias pulmonares, a 2a entre a linha de ablação, circunda as pulmonares, próximo ao orifício da veia pulmonar superior esquerda até a base da aurícula esquerda, a 3a entre o orifício da veia pulmonar inferior esquerda e anel da valva mitral; excluindo a aurícula esquerda por sutura interna, a 4a linha na base da sutura em todo perímetro (Figura 1).


Fig. 1 - Desenho esquemático sobre técnica de ablação utilizada no trabalho



Para a realização das linhas de ablação no epicárdio AD e no endocárdio AE com ultrassom, foi utilizado o bisturi Harmonico-Ultra Cision®, da empresa Ethicon Endo Surgery.

Após alta da UTI, os pacientes do grupo GT e GC continuaram recebendo amiodarona e anticoagulante oral até reavaliação após um mês da cirurgia.

Amostra

O cálculo da amostra demonstrou que para se obter adequado poder estatístico, com probabilidade alfa estabelecida em 5% e beta em 20%, cada grupo deveria ser composto por, no mínimo, 22 pacientes, para avaliar a possibilidade de aceitar ou rejeitar a hipótese nula, assumindo que os dois tipos de tratamento mostrassem diferença na ocorrência da reversão da FA a sinusal de 39% entre os grupos.

Analise estatística

Para as análises estatísticas foram calculadas as medidas das médias mais ou menos desvio padrão para as variáveis contínuas. A diferença entre os grupos foi analisada pelo teste "t Student" não pareado para variáveis contínuas. Nos casos das variáveis categóricas, os grupos diferentes foram examinados pelo teste X2. O valor de P<0,05 foi considerado significante. Todo valor de P foi bicaudal.


RESULTADOS

A distribuição dos pacientes por sexo no grupo GT versus GC foi igual, com 15 pacientes do sexo feminino e sete do sexo masculino em cada grupo, P=1,0.

A média de idade foi menor no grupo tratado com ablação 45,77 (±11,84) anos em comparação ao grupo controle 51,09 (±10,16) anos, porém esta diferença não foi significante, com P=0,11.

A comparação da CF apresentada pelos pacientes na admissão hospitalar em relação à evolução no pós-operatório tardio evidenciou que 19/22 (86,40%) dos pacientes que receberam ablação por ultrassom melhoraram a CF, enquanto que no GC a melhora ocorreu em 14/22 (63,63%) pacientes com P>0,05.

As médias dos diâmetros dos átrios esquerdos no grupo GT e GC medidas antes das cirurgias foram, respectivamente, de 57,31 (±8,46) versus 60,40 (±9,37) milímetros (mm), ambos os grupos eram estatisticamente semelhantes antes da operação, com P=0,25.

Os pacientes submetidos à ablação que reverteram a ritmo sinusal apresentavam média do diâmetro do AE igual a 59mm e os que não apresentaram reversão, a média do diâmetro do AE foi de 60mm. Os pacientes do grupo GC que reverteram também apresentaram média de diâmetro do AE menor que os que permaneceram em FA (54 mm versus 61mm).

A média de tempo de anoxia por pinçamento aórtico, em minutos, no GT, foi de 73,59 (±26,74) versus 84,86 (±38,94), no grupo GC. A mediana foi igual a 72,50 minutos nos dois grupos. A média de tempo de anoxia nos que receberam ablação por ultrassom não diferiu significativamente do grupo que não foi submetido à ablação, com P=0,2693.

O tempo médio de permanência em circulação extracorpórea (CEC) no GT foi igual a 99,95 (±22,14) versus 120,40 (±51,71) minutos no GC. A mediana do grupo GT foi igual a 100,5 minutos versus 103 minutos no grupo GC. A análise do teste de significância constatou que não há diferença entre as médias de tempo de CEC no GT em relação ao GC, com P=0,0955.

O tempo gasto com a aplicação de linhas de lesões com ultrassom no AD e AE durante ato cirúrgico no GT apresentou média igual a 14 minutos (±4,11).

O tempo na UTI, medido em dias, para o GT foi de 5,90±2,54 versus 5,80±4,78 dias, em comparação ao grupo GC. A mediana foi igual a 5,5 dias no grupo GT versus 4,0 dias no grupo GC. Pela análise do teste de significância não existe diferença entre as médias de tempo de permanência em UTI no grupo GT em relação ao GC, com P=0,9320.

Nos pacientes GT, a reversão da FA a ritmo sinusal foi de 90,91% versus 13,64% em relação ao GC, no pós-operatório imediato. A comparação entre estes dois grupos com análise estatística dos dados e nível de significância alfa igual a 0,05 permite rejeitar a hipótese nula que considera que o tratamento com ou sem ablação por ultrassom são equivalentes.

No pós-operatório tardio, a não permanência do ritmo sinusal no GT foi de 59,09% versus 86,36% no GC. Foi verificada diferença de 27,27% maior de permanência da conversão a ritmo sinusal, a favor do GT.

O teste de significância evidenciou que o tratamento no GT foi melhor que no GC, referente à reversão do ritmo de FA para ritmo sinusal, no pós-operatório tardio, com P=0,0422.

Como foi estipulado no delineamento do presente estudo que a diferença esperada entre o GT e o GC deveria ser igual ou superior a 39% de reversão a sinusal, não foi possível rejeitar e hipótese de nulidade quando se comparou o tratamento com ou sem ablação no pós-operatório tardio.

Referente às complicações no pós-operatório, foi observado um caso de complicação grave em paciente que, além da ablação com ultrassom, foi submetida simultaneamente a tratamento cirúrgico de duas valvas (mitral e tricúspide), esta apresentou sangramento no pós-operatório imediato, tendo necessidade de ser submetida à mediastinostomia para correção do sangramento, porém, faleceu dois dias após, devido a choque cardiogênico.

Complicações não fatais, não associadas à técnica de ablação, foram observadas em quatro pacientes do GT. Uma paciente do sexo feminino de 65 anos, portadora de DLM submetida a implante de bioprótese mitral sem cirurgia cardíaca prévia, apresentou perfuração do átrio esquerdo, foi reoperada com sucesso e evoluiu bem no pós-operatório. Três pacientes apresentaram acidente vascular isquêmico no pós-operatório, sendo um paciente do sexo masculino com 63 anos de idade, que após implante de bioprótese mitral apresentou isquemia cerebral e ficou com amaurose. Uma paciente, do sexo feminino, com 62 anos de idade, sem operação prévia, com história de AVC sem sequela anterior a cirurgia e que após ter sido submetida a implante de bioprótese mitral e técnica de ablação com ultrassom apresentou outro AVC e ficou com déficit motor à esquerda. O terceiro paciente, com 32 anos, sem cirurgia prévia, do sexo masculino, após bioprótese mitral apresentou isquemia de dois dos pododáctilos esquerdos. No GC, ocorreram oito óbitos, três destes devido a complicações por sangramento. Um paciente faleceu por complicações em decorrência de trombose mesentérica, outro por endocardite bacteriana e o sexto paciente por insuficiência renal. Outros dois pacientes que faleceram em decorrência de insuficiência cardíaca já tinham sido submetidos à cirurgia em internação anterior para correção da disfunção da valva mitral e aórtica e na admissão hospitalar apresentavam CF IV, foram reoperados para correção da disfunção das duas próteses.


DISCUSSÃO

É difícil comparar os resultados dos diversos trabalhos publicados na literatura médica sobre o tratamento cirúrgico da fibrilação atrial permanente por causa da ampla quantidade das variáveis analisadas, das diferentes definições e classificações para FA e das diferentes técnicas de tratamento.

A terminologia usada nas publicações, nem sempre possibilita identificar se a ocorrência da FA é intermitente ou contínua. O termo FA crônica, às vezes, é usado para indicar que a arritmia existe há longo tempo, independentemente se a FA seja intermitente ou contínua. Outras vezes, o termo crônica é usado para descrever a FA contínua. Isto leva a interpretações equivocadas quando se compara resultados de diferentes trabalhos.

A FA persistente, definida como atual, pela Diretriz da Fibrilação Atrial da Sociedade Brasileira de Cardiologia publicada, em 2003[11], quando tratada, apresenta percentual de reversão a ritmo sinusal superior à FA classificada como permanente. Quando a FA é paroxística, o sucesso com o tratamento é ainda maior e a reversão a sinusal é mais frequente que o observado pelo tratamento da persistente ou permanente[12].

Vários serviços de Cardiologia ainda pesquisam métodos para correção cirúrgica da FA permanente, pois atualmente a técnica de Maze III, que apresenta alta eficácia na reversão do ritmo de FA a sinusal por meio da aplicação nos átrios de múltiplas incisões e suturas, acaba apresentando baixa efetividade por ser utilizada por um número restrito de serviços de cirurgia[13,14].

Este estudo foi desenhado para que os componentes do GT e GC apresentassem características semelhantes, visando permitir comparação fidedigna entre os grupos.

A escolha dos critérios de inclusão e exclusão foi determinada visando evitar comparações enviesadas. Foram excluídos da pesquisa portadores de doenças graves que pudessem implicar em fator preditivo negativo para um ou outro grupo. Houve o cuidado para uniformizar o tipo de cirurgia concomitante a aplicação da ablação. Não participaram do estudo os portadores de FA com cardiopatia congênita ou em decorrência de doença coronária.

A opção por um grupo controle concorrente foi importante, pois possibilitou comparar pacientes atendidos em situações de igualdade referente ao tempo de execução dos procedimentos, as condições locais semelhantes, a mesma equipe envolvida no atendimento, e aos padrões de qualidade dos exames complementares.

Um estudo de série de casos sobre o tratamento intra-operatório da FA usando bisturi de ultrassom foi realizado por Brick[15] em 27 pacientes, no período de março de 1999 a junho de 2000. Segundo o referido autor, os pacientes se encontravam em classe funcional III ou IV antes da cirurgia, o que também foi observado no presente trabalho. Ainda conforme Brick, a média de idade dos 27 participantes foi de 36 anos e variou de 18 a 64 anos. No presente estudo, a média de idade foi de 48,41 anos, sendo a idade mínima 18 anos e a máxima igual a 69 anos. Referente ao sexo, no trabalho de Brick[15], 19/27 (70,37%) eram mulheres versus 8/27 (29,63%) de homens; no presente estudo, 30/42 (68,00%) eram mulheres versus 14/44 (32%) de homens.

O tamanho dos átrios esquerdos não foi informado no estudo da série de casos realizado por Brick[15].

A média do tempo de anoxia foi 39,7 minutos, na série de casos de Brick, sendo o tempo mínimo igual a 20 minutos e o tempo máximo igual a 70 minutos. No presente estudo, o tempo de anoxia variou de 20 a 210 minutos. A média do tempo de anoxia dos 22 pacientes do grupo GT foi igual a 73,59 minutos versus 84,86 minutos no grupo GC.

A média do tempo de CEC no estudo de série de casos[15] foi de 69,2 minutos, sendo o tempo mínimo igual a 45 minutos e o máximo igual a 100 minutos. No presente estudo, os 44 pacientes apresentaram média de tempo de CEC igual a 110 minutos. O tempo médio que os pacientes permaneceram em circulação extracorpórea no grupo que recebeu ablação por ultrassom foi igual a 99,95 (±22,14) versus 120,40 (±51,71) no GC.

No estudo de série de casos de Brick[15], a permanência hospitalar foi de 5 a 12 dias, com média de 6,6 dias.

No presente estudo, a média de permanência na UTI foi igual a 5,85 dias. O tempo de permanência na UTI, no GT foi de 5,90 (±2,54) versus 5,80 (±4,78) no GC. Sem diferença significativa entre os grupos.

Não foi constatado maior número de complicações ou óbitos no pós-operatório recente nem no pós-operatório tardio dos submetidos à ablação por ultrassom em relação aos que não receberam ablação por ultrassom, o que sugere que esta técnica, que utiliza ultrassom como fonte de energia, não demonstrou ser mais invasiva. A técnica não é complexa, o tempo médio gasto com aplicação do ultrassom em ambos os átrios foi de 14 (±4) minutos.

No estudo de série de casos de Brick [15], foi observada reversão do ritmo de FA a ritmo de sinusal em 24/27 (88,8%) dos pacientes no pós-operatório imediato e na alta hospitalar foi de 22/27 (81,4%).

No presente estudo, a reversão da FA a ritmo sinusal no pós-operatório imediato foi de 20/22 (90,91%) dos pacientes no grupo que receberam ablação vs. 3/22 (13,64%) do grupo que não foi submetido à ablação.

Um estudo prospectivo, com 77 pacientes portadores de FA permanente e doença valvar mitral, submetidos à correção cirúrgica desta valva e tratamento cirúrgico da FA com o uso da técnica Maze III modificada com utilização de radiofrequência e crioablação, demonstrou que 84% dos pacientes apresentaram reversão do ritmo de FA a sinusal. Foi constatado que os 65 pacientes que permaneceram em ritmo sinusal apresentavam diâmetro do átrio esquerdo significativamente menor do que os que permaneceram em FA (44,1mm ± 7,6 versus 55,6mm ± 11,5)[16]. Na pesquisa atual, com utilização de ultrassom, os diâmetros dos átrios esquerdos no grupo GT mediam 57,31±8,46mm.

Uma limitação do presente estudo foi um tempo de acompanhamento curto, o que impossibilitou a análise sobre o prognóstico e sobrevida dos pacientes.

Embora a percentagem de reversão a ritmo sinusal no pós-operatório imediato e no pós-operatório tardio tenha apresentado superioridade no grupo que recebeu ablação em relação ao grupo GC, o percentual de resposta no pós-operatório tardio foi apenas 27% superior no Grupo GT em comparação ao grupo GC. Um fator que pode ter contribuído para a diminuição da permanência do ritmo sinusal, do pós-operatório imediato para o tardio, foi a ocorrência de grandes átrios esquerdos, antes da cirurgia, nos participantes do presente estudo.

O aumento dos diâmetros atriais é considerado preditor de falência da conversão a ritmo sinusal pós-tratamento cirúrgico da FA[17]. Estudos demonstraram que diâmetros de AE maior que 52mm apresentam taxas de reversão a sinusal mais baixas[18]. Pesquisadores na China identificaram que o diâmetro de AE pré-operatório maior que 56,8mm apresentavam percentual significativamente menor de conversão à sinusal[17]. O diâmetro médio dos AE do presente estudo foi maior que 57,31mm.

Há relatos na literatura que indicam a duração prolongada da FA como fator que predispõe a recorrência e a manutenção desta arritmia mesmo após tratamento cirúrgico da FA[18,19]. Mais de 60% dos pacientes do presente estudo apresentavam história sugestiva de ocorrência da fibrilação atrial superior a 5 anos, o que pode ter sido um fator preditivo negativo que contribuiu para a redução do sucesso do tratamento, no pós-operatório imediato que foi superior a 39% no GT em relação ao GC, para uma diferença de superioridade de 27% a favor do GT no pós-operatório tardio.

É possível que a energia aplicada com o bisturi ultrassônico na potência 3 tenha sido baixa e que algumas das linhas visando à lesão transmural não tenham sido suficientemente potentes. É possível que um aprimoramento da técnica e ajuste na potência de aplicação do ultrassom consiga manter a reversão à sinusal em percentagem mais elevada no pós-operatório tardio.


CONCLUSÃO

No presente estudo, houve percentual maior de melhora da CF no GT versus GC, porém sem diferença estatística significativa. As variáveis idade (P=0,1175), sexo (P=1,0000) e tamanho de átrios pré-operatórios (P=0,2569) não apresentaram diferença significativa entre o grupo GT e o grupo GC, o que demonstra que os grupos apresentavam características homogêneas no pré-operatório.

Os tempos de CEC, anoxia, permanência em UTI no pós-operatório nos dois grupos também não apresentaram diferença significativa, o que sugere que a utilização do bisturi ultrassônico para ablação da FA atrial não atua como fator para piorar a evolução do paciente. Não foi constatado maior número de complicações ou óbitos no pós-operatório recente nem no pós-operatório tardio dos submetidos à ablação por ultrassom em relação aos que não receberam ablação por ultrassom.

Nesta pesquisa, a utilização de ultrassom como fonte de energia para criar linhas de ablação nos átrios durante cirurgia cardíaca demonstrou maior incidência de reversão a ritmo sinusal em relação ao grupo controle.

Os achados observados nesta pesquisa permitem sugerir que a aplicação da técnica de ablação por ultrassom possa ser aplicada nos pacientes que apresentem indicação cirúrgica para correção de doença valvar mitral.


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Article receive on quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

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