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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Defeito do septo atrioventricular associado à tetralogia de Fallot em paciente com síndrome de Down

Maria Fernanda Ferrari Balthazar JacobI; Carlos Henrique De MarchiI; Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI

DOI: 10.1590/S0102-76382009000400028

DADOS CLÍNICOS

Criança do sexo feminino, nascida a termo com 2,6 kg por parto normal. Mãe quartigesta negava uso de medicações durante a gravidez. Apresentou desconforto respiratório ao nascimento, evoluindo com infecção neonatal e uso de antibioticoterapia por 29 dias.

Com 2 meses, foi encaminhada ao nosso Serviço para avaliação em uso de digoxina, furosemida e captopril.

Com o diagnóstico confirmado, foi iniciada terapêutica com beta bloqueador e programados retornos trimestrais para acompanhamento clínico, visto que não havia sinais de descompensação cardíaca.

Com 2 anos de vida, houve piora dos sintomas e crises hipoxêmicas, sendo encaminhada para o tratamento cirúrgico.

No exame físico, apresentava-se em bom estado geral, cianótica ++/4+, normotensa e com ganho pônderoestatural adequado. O ictus cordis normoposicionado, segunda bulha única, hiperfonética e sopro sistólico ejetivo +++/6+. Abdome normal. Extremidades bem perfundidas, pulsos presentes e simétricos.


ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal com bloqueio divisional ântero-superior, freqüência 100 bat/min. SÂQRS entre - 90º e - 180º, PR 200 ms, QRS 80 ms. Eixo desviado para direita com sobrecarga atrial e ventricular direita.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada com predomínio de câmaras direitas e índice cardiotorácico de 0,70. Trama vascular pulmonar aumentada (Figura 1).


Fig. 1 - Radiografia de tórax pré-operatória com cardiomegalia pelo aumento das cavidades direitas



ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Presença de duas comunicações interatriais, uma ostium secundum de 1,8 mm e outra ostium primum de 6 mm, comunicação interventricular de 10,4 mm e valva atrioventricular única, caracterizando defeito do septo atrioventricular total tipo C de Rastelli. Simultaneamente, havia estenose da via de saída do ventrículo direito e alongamento de via de saída do ventrículo esquerdo, estenose valvar pulmonar com 6,1 mm de anel valvar e cavalgamento da aorta em menos de 50%, típico de tetralogia de Fallot. O gradiente de pico sistólico entre o ventrículo direito e o tronco pulmonar era de 74 mmHg, as artérias pulmonares mediam à esquerda 7,6 mm e à direita 6,1 mm e o diâmetro do tronco da artéria pulmonar 5,3 mm (Figura 2).


Fig. 2 - A: Ecocardiograma em corte apical quatro câmaras em sístole evidenciando dilatação das cavidades direitas com hipertrofia do VD e os diâmetros da CIA ostium primum (+) de 6 mm e da CIV (X) de 10 mm. B: Ecocardiograma em corte paraesternal eixo curto ao nível dos vasos da base demonstrando dilatação discreta da Ao ascendente e estenose do TP com seus diâmetros no segmento médio (+) e distal (X) de 6,1 e 5,3 mm respectivamente. AE: átrio esquerdo, AD: átrio direito, VE: ventrículo esquerdo, VD: ventrículo direito, Ao: aorta, TP: tronco pulmonar, CIA: comunicação interatrial, CIV: comunicação interventricular



DIAGNÓSTICO

O diagnóstico definitivo foi firmado pelo ecocardiograma como sendo defeito do septo atrioventricular total com tetralogia de Fallot. Assim, optouse por manutenção do tratamento clínico, já que não havia inicialmente evidências de insuficiência cardíaca e ou preponderância de cianose [1].

Com o tratamento clínico foram evitadas as crises hipoxêmicas, porém houve sinais de disfunção ventricular direita, além da policitemia com todos os riscos inerentes a esta. Tal situação indicou o momento para operação.

O procedimento cirúrgico corretivo exigia cautela quanto à possibilidade de insuficiência da valva atrioventricular e shunts residuais, fatores de mau prognóstico e com maior índice de necessidade de reoperação [2,3].


OPERAÇÃO

Esternotomia, administração de heparina, introdução de cânulas em aorta e veias cavas, auxílio da circulação extracorpórea (CEC) com hipotermia a 26ºC. Pinçamento da aorta, com cardioplegia sanguínea, anterógrada, hipotérmica a 4ºC e intermitente a cada 20 minutos (Figura 3).


Fig. 3 - Aspecto do coração imediatamente após abertura do esterno. O tronco pulmonar é hipoplásico e o átrio direito e ventrículo direito mostram-se distendidos.



Após a abertura do átrio direito foi encontrada valva atrioventricular única. O tronco pulmonar era hipoplásico e a via de saída do ventrículo direito com anel valvar pulmonar estenóticos (Figura 4).


Fig. 4 - Tronco pulmonar aberto com a valva pulmonar displásica. O pequeno diâmetro do anel valvar pulmonar e a fusão comissural chamam atenção.



Optou-se por abertura anterior do tronco pulmonar, anel valvar pulmonar e via de saída do ventrículo direito, realizando-se ampla ressecção e ampliação com placa de pericárdio bovino (Figura 5).


Fig. 5 - Ampliação da via de saída do ventrículo direito com placa de pericárdio bovino.



O defeito do septo atrioventricular total foi corrigido com a técnica do duplo patch, fechando-se a comunicação interventricular e a comunicação interatrial com placas de pericárdio bovino independentes. Extremo cuidado foi tomado para evitar obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, deixando a placa bastante adequada nesta região. A fenda da valva atrioventricular esquerda foi fechada com pontos separados de polipropileno 6-0.

A desconexão da CEC foi suportada com a ajuda de inotrópicos, após 148 minutos de auxílio da CEC e 119 minutos de isquemia miocárdica.

A paciente foi mantida na Unidade de Terapia Intensiva por 6 dias, evoluiu bem clinicamente, porém com derrame pericárdico discreto, o qual foi revertido com a introdução de diuréticos e corticóide via oral.

Recebeu alta hospitalar no 15º dia de pós-operatório em uso de digital e diurético.

Acompanhada no ambulatório há dois meses, apresentase acianótica, sem queixa de cansaço, com ecocardiograma demonstrando insuficiência valvar pulmonar de grau moderado a importante, o que se explica pelo tratamento aplicado na via de saída do ventrículo direito, apenas com implante da placa de pericárdio bovino, sem válvula ou tubo valvado [2].


REFERÊNCIAS

1. Hoohenkerk GJ, Schoof PH, Bruggemans EF, Rijlaarsdam M, Hazekamp MG. 28 years' experience with transatrial-transpulmonary repair of atrioventricular septal defect with tetralogy of Fallot. Ann Thorac Surg. 2008; 85(5): 1686-90.

2. Brancaccio G, Michielon G, Filippelli S, Perri G, Di Carlo D, Iorio FS, et al. Transannular patching is a valid alternative for tetralogy of Fallot and complete atrioventricular septal defect repair. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009; 137(4): 919-23. [MedLine]

3. Formigari R, Di Donato RM, Gargiulo G, Di Carlo D, Feltri C, Picchio FM, et al. Better surgical prognosis for patients with complete atrioventricular septal defect and Down's syndrome. Ann Thorac Surg. 2004; 78(2): 666-72.

Article receive on quinta-feira, 6 de agosto de 2009

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