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ARTIGO ORIGINAL

Comparação entre exercícios de respiração profunda e espirometria de incentivo no pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio

Julia Alencar RenaultI; Ricardo Costa-ValII; Márcia Braz RossetiIII; Miguel Houri NetoIV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000200012

RESUMO

Objetivo: Comparar os efeitos dos exercícios de respiração profunda (ERP) e espirômetro de incentivo a fluxo (EI) em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) por meio das seguintes variáveis: capacidade vital forçada - CVF, volume expiratório forçado de primeiro segundo - VEF1, pressões respiratórias máximas e saturação de oxigênio. Métodos: Trinta e seis pacientes foram submetidos a aplicação de ventilação não-invasiva por dois períodos de 30 minutos durante as primeiras 24 horas pós-extubação e distribuídos randomicamente em dois grupos, a saber: ERP (n=18) e EI (n=18), sendo as variáveis espirométricas avaliadas no pré-operatório e sétimo dia pós-operatório (DPO) e a força da musculatura respiratória e saturação de oxigênio no pré-operatório, primeiro, segundo e sétimo DPO. Resultados: Os grupos foram considerados homogêneos em relação às variáveis demográficas e cirúrgicas. Observou-se queda dos valores referentes à CVF e VEF1 entre o pré-operatório e o sétimo DPO, porém sem diferença estatística entre os grupos. Houve queda das pressões respiratórias máximas no primeiro DPO, mas com restabelecimento gradual e parcial até o sétimo DPO, também sem diferença estatística entre os grupos. A saturação de oxigênio foi a única variável restabelecida no sétimo DPO, mas também sem diferença estatística entre os grupos. Conclusão: Não foram observadas diferenças significativas nas pressões respiratórias máximas, variáveis espirométricas e saturação de oxigênio entre pacientes submetidos a exercícios de respiração profunda e espirometria de incentivo no pós-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica.

ABSTRACT

Objective: To compare the effects of deep breathing exercises (DBE) and the flow-oriented incentive spirometry (IS) in patients undergone coronary artery bypass grafting (CABG) through the following variables: forced vital capacity - FVC, forced expiratory volume in 1 second - FEV1, maximal respiratory pressures and oxygen saturation. Methods: Thirty six patients in CABG postoperative period underwent thirty minutes of non-invasive ventilation during the first 24 hours after extubation and were randomly shared into two groups as following: DBE (n=18) and IS (n=18). The spirometric variables were assessed on the preoperative period and seventh postoperative day (POD). The respiratory muscle strength and oxygen saturation were assessed on the preoperative period, first, second and seventh POD. Results: The groups were considered homogeneous in relation to the demographic and surgical variables. It has been noted fall in the values of FVC and FEV1 between the preoperative period and the seventh POD, but without significant differences between groups. The maximal respiratory pressures showed drop in the first POD but with gradual and partial recovery until the seventh POD, also without significant differences between groups. The oxygen saturation was the only variable that was completely recovered on the seventh POD, also without significant differences between groups. Conclusion: There were not observed significant differences in maximal respiratory pressures, spirometric variables and oxygen saturation in patients undergone deep breathing exercises and flow-oriented incentive spirometry after coronary artery bypass grafting.
INTRODUÇÃO

Apesar dos avanços nas técnicas cirúrgicas e aprimoramento nos cuidados peri e pós-operatórios, as cirurgias cardíacas são responsáveis por altas taxas de morbidade e letalidade. Pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) frequentemente desenvolvem disfunções pulmonares, como atelectasias, distúrbio ventilatório restritivo e hipoxemia [1]. A dor e o receio pós-operatórios (PO) associados às alterações na mecânica pulmonar advindas do procedimento cirúrgico [2] prejudicam a realização de inspirações profundas periódicas e de tosse efetiva, propiciando o acúmulo de secreção, o colapso alveolar e as alterações nas trocas gasosas [3].

Requisita-se a fisioterapia respiratória com o intuito de reverter a disfunção pulmonar pós-CRVM, evitando, assim, o desenvolvimento de complicações pulmonares [1]. Neste contexto, destacam-se mobilização precoce, posicionamento, exercícios respiratórios e técnicas de higiene brônquica.

Dentre os exercícios respiratórios, os exercícios de respiração profunda (ERP) não necessitam de nenhum recurso mecânico e visam à expansão pulmonar por meio de inspiração nasal lenta e uniforme, seguida de expiração oral relaxada. O espirômetro de incentivo (EI) também enfatiza inspiração profunda até a capacidade pulmonar total (CPT), fornecendo feedback visual. Ambas as técnicas são comumente utilizadas, dependentes da cooperação do paciente, porém de fácil execução. Caso se comprove a similaridade de resultados obtidos com a utilização das duas técnicas, ambas poderão ser orientadas aos pacientes no período pré-operatório e, no caso de não adaptação a um dos tipos de exercício, o outro poderá ser utilizado com a mesma efetividade no pós-operatório de CRVM.

O objetivo deste trabalho foi comparar os efeitos dos ERP e EI sobre as variáveis espirométricas (Capacidade vital forçada - CVF e volume expiratório forçado de primeiro segundo - VEF1), força da musculatura respiratória (FMR) e saturação de oxigênio (SatO2) em pacientes submetidos a CRVM.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, experimental, randomizado, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte (SCMBH) vinculado ao CONEP, projeto de pesquisa no 021/2007. Os pacientes foram informados sobre os procedimentos a serem realizados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram analisados pacientes internados na SCMBH em pré-operatório de CRVM eletiva, com padrão de normalidade ou distúrbio ventilatório leve à espirometria, após assinatura do TCLE. Foram excluídos pacientes com instabilidade hemodinâmica, cirurgia cardíaca prévia, dificuldade para compreender ou realizar as medidas ou condutas fisioterápicas e aqueles submetidos a ventilação mecânica invasiva (VMI) ou não-invasiva (VNI) por período superior a 24 horas após a admissão no Centro de Terapia Intensiva (CTI).

Os pacientes foram alocados, pela de seleção de tíquetes marcados, em um dos grupos de intervenção: ERP ou EI a fluxo (RESPIRON®).

Todos os pacientes receberam anestesia geral e o procedimento cirúrgico foi realizado com circulação extracorpórea (CEC), via esternotomia mediana, com utilização de enxertos de veia safena magna e/ou artéria mamária sob hipotermia moderada (28ºC a 30ºC) e cardioplegia cristalóide. No PO, os pacientes foram submetidos a VMI com pressão término-expiratória positiva (PEEP) de 5 cmH2O, volume corrente (VC) de 6 a 8 ml/kg e frequência respiratória programada para manter a PaCO2 dentro dos parâmetros de normalidade.

Previamente à cirurgia, os pacientes receberam informações gerais sobre o procedimento cirúrgico e rotinas PO, incluindo orientações inerentes aos exercícios respiratórios. Todos os pacientes receberam atendimento fisioterápico PO duas vezes ao dia durante a permanência no CTI, e uma vez ao dia na unidade de internação. O atendimento consistiu de mobilização precoce, tosse assistida e/ou huffing (expiração forçada com a glote aberta), além da utilização de VNI com dois níveis de pressão durante as primeiras 24 horas pós-extubação, por dois períodos de aproximadamente 30 minutos, com utilização do próprio respirador e ajustando níveis confortáveis e seguros de pressão de suporte e PEEP. Após esse período, as condutas propostas foram iniciadas. O protocolo de atendimento foi similar entre os grupos, exceto pelos exercícios respiratórios realizados.

Os pacientes incluídos no grupo submetido a ERP (grupo I) realizaram, por atendimento, três séries de dez ERP que priorizou a respiração diafragmática por meio de uma inspiração nasal lenta e uniforme a partir da capacidade residual funcional (CRF), progredindo com fluxo lento até atingir a CPT, sem o auxílio de recursos mecânicos. Adicionalmente foram realizados tosse assistida e/ou huffing e exercícios de mobilização precoce.

Os pacientes do grupo da EI (grupo II) foram submetidos ao mesmo protocolo de atendimento, com realização inspiração lenta a partir da CRF até atingir o nível desejado demarcado no cilindro do espirômetro, mantendo a partir daí a sustentação da inspiração. A posição do anel regulador variou de 0 a 2, priorizando fluxos pulmonares mais lentos.

As medidas espirométricas para avaliação da CVF e VEF1 foram realizadas no pré-operatório e 7º DPO com o MultiSPIROTM sensor, com os pacientes assentados e utilizando clipe nasal. Os procedimentos técnicos, critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade seguiram as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar [4] e os valores de referência de Pereira [5] foram utilizados. O equipamento foi calibrado e checado diariamente antes da realização das medidas, conforme regulamentações específicas para o equipamento.

As pressões respiratórias máximas (Pressão Inspiratória Máxima - PImáx, e Pressão Expiratória Máxima - PEmáx) foram avaliadas no pré-operatório, 1º DPO (após a extubação e antes que fosse iniciada a aplicação de VNI), 2º e 7º DPO, com utilização de manovacuômetro Wika, com intervalo operacional de +300 cmH2O. Antes da realização da inspiração máxima para medida da PImáx, os pacientes foram instruídos a expirar até o volume residual. A avaliação da PEmáx foi precedida pela realização de inspiração até a CPT. As medidas foram realizadas com utilização de bucal rígido e clipe nasal. Durante a avaliação da PEmáx, os indivíduos seguraram com as mãos a musculatura perioral, para evitar vazamento e acúmulo de ar na região lateral da cavidade oral. Três a cinco manobras foram realizadas com sustentação de no mínimo um segundo, selecionando-se a maior medida, desde que com variação menor que 10% em relação ao outro valor máximo [6].

A SatO2 foi estimada de maneira não invasiva com a utilização de oxímetro de pulso (Nonim Onix® modelo 9500), no pré-operatório, 1º, 2º e 7º DPO. A fração inspiratória de oxigênio no momento das avaliações foi similar entre os grupos. No 1º DPO, foi administrado oxigênio suplementar por máscara facial a 6,0 l/min. Nos dias subsequentes, no caso da necessidade de oxigenoterapia suplementar, a avaliação foi feita após a remoção da fonte de oxigênio, durante sete minutos, tomando-se o valor que se mantivesse consistente durante um período de 30 segundos [7].

Os pacientes foram orientados a realizar uma série de dez exercícios respiratórios a cada duas horas ao longo do dia. A adesão foi avaliada pelos registros feitos pelo próprio paciente ou acompanhante no "Diário de Adesão", que permaneceu sob os cuidados dos mesmos.

Análise estatística

Para verificação da normalidade e homocedasticidade dos dados foram utilizados os testes de Liliefors e Cochran & Bartlett, respectivamente. As variáveis demográficas, cirúrgicas e espirométricas foram apresentadas como média e desvio padrão e submetidas a análise de variância (ANOVA) para a comparação entre grupos.

As variáveis PImáx, PEmáx e SatO2 foram analisadas como respostas de fluxo continuado. Devido à presença de normalidade e homocedasticidade após transformação radicial das variáveis PImáx e PEmáx, suas análises foram feitas por um delineamento inteiramente casualizado em sistema de parcela subdividida (Split-Plot). A resposta SatO2 não apresentou distribuição normal ou homocedasticidade mesmo após transformações matemáticas, portanto, sua estatística foi baseada nos métodos não paramétricos de Kruskall-Wallis e Friedman.

O nível de significância (á) foi estabelecido previamente como 0,05 para todos os testes.


RESULTADOS

Dos 63 pacientes alocados, 27 foram excluídos por: a) dificuldade para realizar a espirometria (n=5); b) necessidade de VMI ou VNI por período superior a 24 horas (n=7 e n=6, respectivamente); c) desejo de se retirar do estudo (n=2); d) desistência pessoal em não ser submetido ao procedimento cirúrgico (n=2); e) não adesão ao tratamento e/ou recusa a fazer a fisioterapia conforme protocolo (n=3); f) contra-indicação de se realizar esforços devido à taquicardia supraventricular paroxística no PO (n=1); g) insuficiência respiratória PO que necessitou de reintubação (n=1). A Tabela 1 demonstra a distribuição das frequências das variáveis circunstanciais classificatórias por grupos de tratamentos.




Os testes de significância demonstraram tendência de homogeneidade das médias de cada uma das variáveis circunstanciais quantitativas, e estas, associadas com o balanceamento dos dados comprovaram ter havido equilíbrio da amostra. Ambos fortaleceram a validade interna além de minimizarem vieses, conforme demonstra a Tabela 2.




Observou-se queda expressiva entre a média da CVF pré-operatória e no 7º DPO para todos os casos, sendo encontrado, respectivamente, 3,76 + 0,85 litros e 2,42 + 0,85 litros (redução de 35,64%). De igual modo, os valores médios de VEF1 foram 2,87 + 0,73 litros e 1,82 + 0,69 litros para o pré-operatório e 7º DPO (redução de 36,59%) para todos os casos.

Conforme detalhado na Figura 1, os valores médios referentes à diferença entre capacidade vital forçada (DCVF) e diferença entre volume expiratório forçado de primeiro segundo (DVEF1) do pré-operatório e do 7° DPO não resultaram em diferença estatisticamente significativa entre os grupos.


Fig.1 - Comparação da DCVF e DVEF1 entre os grupos, em litros



Não houve diferença significativa entre as médias dos valores de força da musculatura respiratória entre os grupos quando se levaram em consideração os valores obtidos no pré-operatório, 1º, 2º e 7º DPO (PImáx de 44,30 cmH2O e 47,04 cmH2O, e PEmáx de 58,30 cmH2O e 69,64 cmH2O para os grupos ERP e EI, respectivamente).

As médias das PImáx apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação aos DPO da seguinte maneira, a saber: queda no 1º DPO com recuperação parcial nos 2º e no 7º DPO. As médias das PEmáx também apresentaram queda significativa no 1º DPO, permanecendo sem diferença estatisticamente significativa no 2º DPO, com recuperação parcial no 7º DPO (Figura 2).


Fig. 2 - Comportamento das médias dos valores de PImáx e PEmáx ao longo dos dias de avaliação, em cmH2O



Quando comparada ao 1º DPO, não houve queda significativa da SatO2 pré-operatória (P>0,05), no entanto, os pacientes foram avaliados com oxigenoterapia suplementar. Houve queda estatisticamente significativa da SatO2 quando comparados pré-operatório e 2º DPO (P<0,001). Foi observado aumento estatisticamente significativo da SatO2 (P<0,001) quando comparados 2º e 7º DPO. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os valores de SatO2 obtidos no 7º DPO e os valores pré-operatórios (P>0,05) (Figura 3).


Fig. 3 - Média dos valores de saturação de oxigênio ao longo dos dias de avaliação



Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em nenhuma das avaliações.

Com relação à realização de exercícios voluntários, nem todos os pacientes preencheram o Diário de Adesão. Vinte e cinco dos 36 pacientes (69,4%) preencheram-no, sendo 11 pacientes do grupo I e 14 do grupo II. A frequência média de realização dos exercícios respiratórios foi de 5,08 + 2,22 séries de 10 exercícios por dia, sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos. No grupo I, a média foi de 4,7 + 2,11 séries por dia e no grupo II foi de 5,37 + 2,34 séries por dia.


DISCUSSÃO

Anestesia, CEC e trauma cirúrgico contribuem para alterações na mecânica pulmonar, diminuição na CRF e alterações na produção de surfactante no PO de CRVM [2,8]. Tais fatores, associados à imobilidade, dor [9] e receio favorecem a adoção de um padrão respiratório monótono, sem a realização esporádica de suspiros à CPT, favorecendo o colapso alveolar [3]. Adicionalmente a isso, prejuízos na tosse e higiene brônquica contribuem para o desenvolvimento de atelectasias, provocando distúrbio ventilação-perfusão [2] com alterações na oxigenação sanguínea [10] e predisposição à ocorrência de infecções pulmonares [3].

Estudos demonstraram ocorrência de distúrbio ventilatório restritivo no PO de CRVM [8,11,12], achados compatíveis aos obtidos neste estudo para o 7º DPO. As mudanças restritivas podem ser explicadas pela diminuição na complacência pulmonar, resultante do acúmulo de liquido extravascular e aumento do volume capilar, associados ao colapso alveolar [12], além de incoordenação e redução na movimentação da cavidade torácica [8].

Guizilini et al. [9] reportaram que pacientes operados sem CEC com inserção de dreno pleural na região intercostal (lateral) apresentaram redução de 44,87% na CVF no 5º DPO, valor significativamente maior em relação a pacientes com inserção de dreno subxifóide. Neste trabalho, 58,3% dos pacientes operados com CEC utilizaram um dreno lateral e 16,6% utilizaram dois, o explica em parte o decréscimo dos valores espirométricos observados. Os mesmos autores observaram, ainda, que pacientes operados sem CEC apresentaram melhor preservação da função pulmonar quando comparados àqueles operados com CEC [13].

Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em relação a DCVF e DVEF1, corroborando dados de Crowe e Bradley [14], que também não observaram diferenças significativas na recuperação dos valores de CVF e VEF1 quando compararam a realização de fisioterapia respiratória (ERP, mobilização precoce e técnicas de higiene brônquica) com fisioterapia respiratória associada à EI. No presente estudo, não houve adição de EI ao protocolo composto pela realização de ERP, mas sim substituição de uma técnica pela outra.

Amiúde as observações de Westerdahl et al. [1], que demonstraram correlação entre atelectasias e decréscimos de VEF1 no PO de CRVM, não se analisou no trabalho em pauta radiografias torácicas, gasometria arterial e fração de ejeção do ventrículo esquerdo devido a limitações de custos, já que tais análises comparativas poderiam exigir rigor metodológico, casuística maior e maior disponibilidade de profissionais examinadores, realidade esta fictícia em nosso atual sistema assistencial de saúde.

Jenkins et al. [15] compararam EI, ERP e grupo controle (que realizou apenas mobilização precoce), tosse/huffing e observaram que não houve diferença entre os grupos na recuperação da função pulmonar ou incidência de complicações pulmonares. No entanto, Westerdahl et al. [16] demonstraram, por tomografia computadorizada de tórax e gasometria arterial, que ERP ocasionaram redução significativa nas áreas atelectasiadas e melhora na oxigenação.

Corroborando a complexidade de variáveis que estão envolvidas neste contexto, Celli et al. [17] compararam grupo controle, que não realizou exercícios respiratórios, respiração com pressão positiva intermitente (RPPI), EI e ERP no PO de cirurgia abdominal. Apesar da constatação da não terem ocorrido diferenças significativas no quesito prevenção de complicações pulmonares entre os grupos EI e ERP, ficou claro que ambas as técnicas reduziram significativamente as mesmas quando comparada com pacientes que não as realizaram. Ademais, o período de internação hospitalar foi significativamente menor dentre aqueles que realizaram EI.

De fato, estudos do gênero que não utilizam nenhuma técnica de fisioterapia respiratória ferem postulados éticos, o que explica o modelo de estudo empregado nesta pesquisa clínica, qual seja, privar os pacientes da fisioterapia respiratória para serem grupo controle de ambas as técnicas.

Sugere-se que a fraqueza da musculatura respiratória seja outro mecanismo contribuinte para o distúrbio ventilatório restritivo [3,11,12], hipoxemia e ineficácia da tosse [11]. As avaliações das pressões respiratórias médias permitiram constatar redução na FMR, conforme previamente observado [8,11,12,18]. A função da musculatura respiratória é afetada diretamente pela incisão torácica [19], dor [3], paresia e/ou disfunção diafragmática [2], além da anestesia e posicionamento na mesa cirúrgica, que favorecem deslocamento cefálico do diafragma, com redução da CRF [2].

Conforme observado por Borghi-Silva et al. [11] e Van Belle et al. [12] foi verificada redução significativa da PImáx no 1º DPO, com melhora progressiva até o 7º DPO, porém sem restabelecimento total dos valores pré-operatórios. Foi também constatada redução da PEmáx no 1º DPO, sem aumento significativo no 2º DPO, mas com recuperação parcial dos valores pré-operatórios no 7º DPO, porém não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. A inibição reflexa da função da musculatura da parede abdominal ocasionada pela esternotomia é citada como um dos motivos envolvidos nestas observações [8] e corroboram os achados.

Romanini et al. [18] observaram melhora significativa na FMR com a utilização de EI, o que foi evidente no grupo submetido a exercícios com RPPI apenas para a PImáx. Os autores atribuem este resultado ao trabalho imposto aos músculos respiratórios com a utilização do EI, gerando maior recrutamento de unidades motoras e, em última instância, fortalecimento muscular.

Os resultados observados nesta pesquisa sugerem que ambas as técnicas foram igualmente efetivas na promoção de recrutamento da musculatura respiratória, certamente estando vinculada a estes achados a melhora clínica e a resolução progressiva do quadro álgico, que em última instância levam ao restabelecimento dos volumes pulmonares e à otimização da curva comprimento-tensão do diafragma.

Apesar de ser descrito que shunt, alterações na relação ventilação-perfusão e na capacidade de difusão são mecanismos responsáveis pelas alterações na oxigenação sanguínea no PO de CRVM [2], não se observou diferença significativa entre o pré-operatório e 1º DPO devido à utilização de oxigenoterapia suplementar, rotineira no serviço em que se realizou o trabalho. A SatO2 foi a única variável que se apresentou completamente restabelecida no 7º DPO, contudo, houve queda significativa no 2º DPO, o que está de acordo com Matte et al. [10]. É importante mencionar que a fisioterapia respiratória favorece a recuperação das funções pulmonares após procedimentos cirúrgicos de grande porte, como a CRVM, já que esta leva a maior recrutamento alveolar, ao aumento da CRF e melhora na capacidade de difusão [3,15,20].

As insuflações máximas realizadas ativa ou passivamente pelas aplicações de pressão positiva nas vias aéreas se revelaram como recursos efetivos na melhora da complacência pulmonar, das trocas gasosas e ainda capazes de prevenir o colapso alveolar, além de reinsuflarem áreas atelectasiadas, favorecerem a eliminação de secreções pulmonares e potencializarem a recuperação da CRF [3]. Imputa-se às mesmas o aprimoramento da produção de surfactante [3] e da mobilidade torácica.

A dor pós-operatória, os drenos e os efeitos da própria cirurgia-anestesia tornam o paciente, na grande parte das vezes, pouco cooperativo e justifica o protocolo fisioterápico, para ambos os grupos, que incluía a realização de VNI nas primeiras 24 horas pós-extubação. Devido ao fato da mesma ser independe da cooperação do paciente e ocasionar menos dor, favoreceu a manutenção da ventilação espontânea, conforme afirmou Matte et al. [10] e foi bem tolerada por todos os pacientes. Mas, apesar de sua efetividade nos primeiros dias de PO [21], quando a ventilação é caracterizada por baixos volumes correntes e altas frequências respiratórias [10], a VNI foi restrita às primeiras 24 horas pós-extubação. em virtude da dificuldade de se realizá-la nas unidades de internação. Matte et al. [10] observaram ainda que a utilização intensiva de EI no PO imediatamente após a extubação não foi capaz de prevenir aumento no shunt e piora nos testes de função pulmonar, o que não foi observado pelos mesmos com a aplicação de pressão positiva na vias aéreas.

Após este período, iniciaram-se os exercícios respiratórios, distintos para cada grupo. Devido ao fato do EI ser capaz de fornecer feedback visual justamente para aumentar a adesão ao tratamento [14,16] e melhorar seu desempenho, tem sido muito utilizada na profilaxia e no tratamento de complicações pulmonares PO. Apesar de a literatura demonstrar a superioridade dos EI, a volume em detrimento dos EI a fluxo no que concerne a incrementos no VC e deslocamento abdominal [22], os EI a fluxo são frequentemente utilizados por ser economicamente mais acessíveis, o que permite sua continuidade após a alta hospitalar, período em que ainda persiste de distúrbio pulmonar restritivo significativo [11] até mesmo quatro meses após o procedimento cirúrgico [23].

Os ERP, ou respiração diafragmática, também são de fácil execução, mas durante sua realização as mãos do fisioterapeuta e/ou do paciente devem ser posicionadas abaixo do processo xifóide com orientação para que à inspiração as mãos sejam elevadas. Foi demonstrado que a realização de ERP com ou sem EI associaram-se, em indivíduos saudáveis, a aumento significativo do VC com diminuição da frequência respiratória basal [24], além de diminuição das áreas atelectasiadas e aumento da oxigenação imediatamente após sua execução no 2º DPO de CRVM [16]. No entanto, há maior utilização do esternocleidomastóideo e maior frequência respiratória com utilização de EI a fluxo quando comparado à respiração diafragmática ou EI a volume [24].

Apesar da utilização de EI a fluxo neste estudo, buscou-se obter fluxo de ar mais harmônico, simulando desta maneira um EI a volume. Para tanto, foram estipulados fluxos baixos (300 a 500 ml/seg). Entretanto, conforme observado por Tomich et al. [24], as taxas de fluxo alcançadas são significativamente diferentes das estimadas, o que não garante, portanto, a fidedignidade das taxas de fluxo estipuladas.

Os resultados obtidos sugerem que a utilização do EI a fluxo como empregado foi igualmente efetivo aos ERP na recuperação das variáveis analisadas, o que pode ser explicado pelo emprego de fluxo inspiratório lento e homogêneo, sabidamente vinculado a uma maior excursão diafragmática e a uma progressiva e mais eficiente reinsuflação das áreas pulmonares colapsadas, fato em pleno acordo com os resultados descritos.

Apesar da concordância entre os resultados encontrados com a literatura científica, a maneira como se aplicou a EI a fluxo nesta pesquisa não é idêntica ao que foi evidenciado na revisão da literatura prévia correlacionada [21], o que vem de encontro com a necessidade de adicionais estudos sobre o tema, particularmente aqueles cujos desenhos tenham como objetivo comparar a forma usual de se realizar os exercícios com EI a fluxo e a volume.

Apesar dos exercícios respiratórios serem de fácil execução, estes sofrem interferência de vários fatores, tais como dor, personalidade ou motivação. No momento das avaliações ou das sessões fisioterápicas, os pacientes encontravam-se sem dor ou com queixa de dor leve. Certamente, o modo como se abordou os pacientes, pautado na cordialidade, no carinho, na compreensão do delicado momento do paciente e ainda incentivando ao máximo a recuperação do paciente, são com absoluta certeza variáveis que, apesar de não estarem descritas no método científico, interferem significativamente nas pesquisas clínicas e não podem jamais deixar de ser mencionadas e muito menos esquecidas.

Os pacientes mais jovens tiveram maior facilidade para realizar os exercícios com o RESPIRON®. No entanto, a utilização de recursos mecânicos ajuda aos pacientes mais idosos a se lembrarem dos exercícios respiratórios [16]. Interessante foi a pequena diferença a favor do EI na frequência dos exercícios realizados ao longo do dia, como pode ser comprovado pelo diário de adesão, mesmo tendo sido o mesmo preenchido por 69,4% dos pacientes, valor bem superior ao encontrado por Crowe e Bradley (16,6%) [14], mas inferior a Brasher et al. (79,4%) [20].

Apesar dos pacientes deste estudo terem sido orientados a fazer 10 repetições a cada duas horas, a frequência média de realização dos exercícios respiratórios foi inferior à observada por Westerdahl et al. [1], cuja média foi de 7 + 2 vezes ao dia. A literatura sugere que tais exercícios sejam realizados a cada uma ou duas horas [3], mas não há consenso sobre a frequência ideal ou mesmo se o aumento da frequência diária de exercícios adiciona benefícios ao tratamento.

Stiller et al. [25] avaliaram ainda se a quantidade de atendimentos oferecidos aos pacientes durante o dia, ou seja, se a intensidade do tratamento, influenciaria nos resultados obtidos, encontrando mesma incidência de complicações pulmonares. Mas como a taxa de adesão aos mesmos não foi mensurada, pode ter havido interferência nos resultados.

Nenhum dos pacientes apresentou sinais de infecção pulmonar durante a internação hospitalar. Dois pacientes do grupo I desenvolveram infecção na incisão cirúrgica utilizada para a safenectomia, um na esternotomia, além de um caso de infecção no trato urinário e um no local de inserção do cateter venoso central. Já no grupo II apenas um paciente apresentou infecção da esternotomia. Apesar disto, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em relação aos itens comorbidades, tempo de CEC, cirurgiões e ao tempo de permanência hospitalar. Mas houve diferença significativa entre os grupos apenas no tempo de permanência no CTI (P=0,049), com tempo maior para o Grupo II (2,61 + 0,69 dias versus 3,22 + 1,06 dias).

Por fim, pode-se afirmar que os exercícios respiratórios, quando bem executados, excluem a necessidade do espirômetro de incentivo. No entanto, deve-se salientar a necessidade de avaliação da frequência e da correta execução da técnica, visto que sua eficácia pode ser influenciada por inúmeros fatores. Caso o paciente não se adapte ou evite intencionalmente realizar uma das técnicas, a outra poderá ser utilizada com a mesma eficácia. No entanto, justifica-se a necessidade de supervisão fisioterápica frequente.


CONCLUSÃO

Não foram observadas diferenças significativas nas pressões respiratórias máximas, variáveis espirométricas e saturação de oxigênio entre pacientes submetidos a exercícios de respiração profunda e espirometria de incentivo no pós-operatório de CRVM.


REFERÊNCIAS

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Article receive on quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

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