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ARTIGO ORIGINAL

A influência da escolha da prótese valvar sobre a mortalidade intra-hospitalar no pós-operatório em pacientes submetidos à cirurgia valvar

André Maurício S. FernandesI; Felipe da Silva PereiraII; Larissa Santana BitencourtIII; Agnaldo Viana Pereira NetoIII; Gabriel Barreto BastosII; André Rodrigues DurãesIV; Roque Aras JrIV; Igor Nogueira LessaIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20140035

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

DP: Desvio Padrão

DR: Doença Reumática

MS: Ministério da Saúde

SPSS: Statistical Package for the Social Sciences

INTRODUÇÃO

A doença cardíaca valvar se constitui em um importante problema de saúde pública. Desde a década de 50, a prevalência da doença valvar nos países desenvolvidos tem variado da etiologia reumática para doença valvar degenerativa[1]. No começo do século XX, a doença reumática (DR) foi uma das principais causas de morbidade e mortalidade entre os jovens de países desenvolvidos e em desenvolvimento[2,3], acometendo-os de maneira similar. Este padrão mudou por diversos fatores, a exemplo de um diagnóstico precoce, um tratamento mais adequado da DR e também devido ao aumento da expectativa de vida populacional levando ao acometimento da doença valvar em indivíduos mais idosos.

A doença reumática, ainda nos dias atuais, tem alta prevalência em países em desenvolvimento como o Brasil, sendo uma importante causa de doença cardiovascular e responsável por elevados custos para o sistema público de saúde. De acordo com dados fornecidos pelo MS, durante o ano de 2011, houve 5.512 admissões hospitalares devido à febre reumática aguda e 8.127 relacionadas à valvulopatia reumática[4].

A taxa de mortalidade intra-hospitalar pós-cirúrgica é muito variável, em sua maior parte devido à gravidade dos pacientes internados e ao grau de experiência da equipe cirúrgica. De acordo com outros estudos a taxa de mortalidade varia entre 1% e 15%[1,5-8]. Após 40 anos de experiência com cirurgia de troca de válvula em território nacional, a decisão pelo tipo de prótese valvar mais apropriada a ser implantada na cirurgia ainda é controversa e, por vezes, complicada, principalmente para pacientes advindos de zonas rurais ou de pequenos centros urbanos.

Não existe um substituto ideal. Existe um baixo risco de eventos tromboembólicos e hemorragia na utilização de prótese biológica, mas a sua durabilidade é curta. Por outro lado, a prótese metálica pode oferecer uma duração maior, porém com maior risco de sofrer tais eventos[9]. Marchand et al.[10] e Mykén et al.[11] demonstraram evolução satisfatória na sobrevida de pacientes em 14 e 15 anos, respectivamente, livre de disfunção estrutural em biopróteses tanto de sitio atrioventricular quanto aórtica.

Existem poucos estudos avaliando a mortalidade em pacientes com cardiopatia valvar. O foco deste estudo é avaliar o impacto da escolha do tipo de prótese na taxa de mortalidade intra-hospitalar em pacientes com cardiopatia reumática e não-reumática que realizaram cirurgia para troca valvar.

 

MÉTODOS

Estudo analítico de corte transversal, com amostra de conveniência de pacientes que realizaram cirurgia para troca de válvula, durante um período de três anos no Hospital Ana Nery, Salvador, Bahia, Brasil.

Todos os dados foram obtidos de prontuários médicos. A análise dos dados foi realizada com base nas diretrizes para a notificação de mortalidade e morbidade após intervenções de válvulas cardíacas[9]. 35 pacientes foram excluídos do estudo por insuficiência de dados registrados; assim, a amostra total estudada foi 353.

Os dados foram analisados ​​utilizando o SPSS versão 17.0. As variáveis contínuas tiveram a sua normalidade testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para comparação de médias, o teste T foi utilizado para variáveis de distribuição ​​normal. Para comparar as variáveis ​​categóricas o teste do qui-quadrado foi utilizado. O valor de P adotado como estatisticamente significante foi de P<0,05. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética institucional do Hospital Ana Nery sob o protocolo 59/10.

 

RESULTADOS

A amostra total estudada foi de 353 pacientes submetidos à cirurgia de troca da valva sendo que 73 destes foram realizaram substituição valvar e valvoplastia. 49,6% (n=175) eram do sexo masculino e 50,4% (n=178) do sexo feminino. A idade da população estudada variou de 6 a 82 anos e a idade média foi de 41,87±17,9 anos de idade. Na população em estudo foi observada um maior número de indivíduos provenientes de cidades do interior ou de zonas rurais (n=216, 61,2%) em relação aos da capital (n=137, 38,8%) (dados demográficos - Tabela 1). Foi observado um total de 698 válvulas acometidas, sendo 282 (40,4%) mitral, 214 (30,7%) aórtica, 183 (26,2%) tricúspide e 19 (2,7%) da válvula pulmonar. Destes, 53 (7,6%) apresentaram estenose, 461 (66%) tinham insuficiência e 184 (26,4%) cursaram com dupla lesão.

 

 

Os pacientes também foram divididos a partir de seu principal mecanismo de lesão valvar: 204 (57,8%) tiveram doença reumática como a principal causa para a doença da válvula e 134 (38%) tinham doenças valvares por outras causas, como prolapso, secundaria a isquemia ou doença degenerativa, e 15 (4,2%) não tiveram etiologia definida.

Em relação ao tipo de prótese usada, 70% (n=247) foram substituídos por bioprótese e 30% (n=106) por prótese metálica. A preferência por prótese biológica foi observada em todas as faixas etárias (Figura 1).

 

 

A mortalidade global foi de 11% (n=39), não sendo observado diferença entre o tipo de prótese sobre a mortalidade global. A mortalidade por prótese mecânica em comparação com prótese biológica foi de 30,7% (n=12) x 69,3% (n=27), respectivamente, P=0,915. Na análise apenas dos pacientes com doença reumática também não foi observada diferença estatisticamente significante na taxa de mortalidade entre prótese metálica x biológica, 33,3% (n=3) x 66,7%, (n=6), respectivamente, P=0,586.

A idade média±DP para o grupo que morreu era 54,49±21,9 anos, contra 41,19±16,8 anos daqueles que receberam alta hospitalar, P=0,000 (Figura 2).

 

 

Entre os pacientes que morreram, 33 realizaram substituição de apenas uma válvula. Portanto, não houve impacto da dupla troca valvar sobre a mortalidade. Em relação ao local da cirurgia de substituição da válvula, os resultados são mostrados na Figura 3.

 

 

DISCUSSÃO

Houve grande prevalência da valvulopatia reumática (58,5%), nesse estudo, e esses dados estão de acordo com dados anteriores sobre a doença reumática, sendo esta uma das principais causas de doença cardíaca em países em desenvolvimento[10]. Não houve influência sobre a mortalidade no tipo de prótese utilizada na cirurgia de troca valvar para esse grupo estudado.

A taxa de mortalidade pós-operatória é muito variável, sendo influenciada por vários fatores, tais como, troca múltipla de válvula, local acometido, reoperação, presença de outros procedimentos associados. Este estudo demonstrou uma taxa de mortalidade 10,6%, o que está de acordo com os dados da literatura que variam de 1% a 15%[12,13]. A idade média dos pacientes que morreram foi de 54,4±21,5 anos, maior que amostra total do estudo (40,40±16,8 anos), P=0,001. Provavelmente, essa diferença se deve às valvas que se apresentam com lesões mais graves, associada ou não à maior presença de comorbidades na população mais velha, uma vez que não houve associação entre o tipo de prótese e mortalidade quando a idade foi levada em consideração.

Pacientes que realizaram troca de válvula mitral tiveram uma mortalidade maior, independentemente do tipo de prótese utilizada. Esse dado é compatível com que está relatado na literatura[7,14,15].

O impacto da escolha da prótese valvar para pacientes que tem etiologia reumática não foi devidamente estabelecida. O uso de bioprótese nessa população influencia na mortalidade tardia, já que pode significar um novo procedimento após alguns anos, um estudo prévio demonstra mortalidade semelhante à primeira cirurgia (1% a 15%)[16]. No entanto, Cen et al.[17] publicaram em 2001 que a escolha do tipo de prótese implantada não interferiu estatisticamente na sobrevida dos pacientes submetidos à re-troca valvar em 10 anos.

No nosso estudo, foi possível observar que as vítimas de sequela reumática foram adultos jovens, especialmente as mulheres, acarretando em repercussões socioeconômicas como o aumento dos custos na saúde pública e a redução da produção laboral.

Este estudo destacou que a lesão mais frequente foi a regurgitação valvar (66,2%) seguido da dupla lesão (25,9%) e estenose (7,9%), em desacordo com a literatura onde é demonstrado um predomínio de lesões estenóticas. Contudo, essa é uma comparação difícil de realizar diante da escassez de dados sobre a prevalência de lesões específicas, principalmente na doença reumática[18].

Geralmente, é muito difícil avaliar estes pacientes devido à baixa adesão ao tratamento, uma vez que suas famílias precisam realizar longas viagens, lidar com custo de alimentação e estadia, num cenário de um orçamento familiar limitado. Infelizmente, esse é um marco negativo para o tratamento com impacto sobre a escolha da prótese e possíveis consequências para um prognóstico mais tardio[19]. A maior prevalência de bioprótese no presente estudo pode ser justificada pelo grande número de pacientes de cidades do interior sem os adequados serviços médicos especializados, fato que frequentemente leva à má adesão ao tratamento e impede a instituição de terapêutica anticoagulante.

O tipo de prótese não teve influência na mortalidade intra-hospitalar na população estudada, contudo, pode ser considerado um importante fator prognóstico para mortalidade tardia na população valvulopata, com alta prevalência de etiologia reumática. Portanto, estudos de coorte com populações semelhantes, especialmente em países em desenvolvimento, devem ser estimulados.

REFERÊNCIAS

1. Iung B, Vahanian A. Epidemiology of valvular heart disease in the adult. Nat Rev Cardiol. 2011;8(3):162-72. [MedLine]

2. Soler-Soler J, Galve E. Worldwide perspective of valve disease. Heart. 2000;83(6):721-5. [MedLine]

3. Vahanian A, Baumgartner H, Bax J, Butchart E, Dion R, Filippatos G, et al; Grupo de Trabajo sobre el Tratamiento de las Valvulopatías de la Sociedad Europea de Cardiología. Guidelines on the management of valvular heart disease. Rev Esp Cardiol. 2007;60(6):1e-50e. [MedLine]

4. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Informações de Saúde. Mortalidade, 2011. Brasília: Ministério da Saúde;2012.

5. Feguri GR, Macruz H, Bulhões D, Neves A, Castro RM, Fonseca L, et al. Aortic valve replacement with different types of prosthesis: are there differences in the outcomes during hospital phase? Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(4):534-41. [MedLine]

6. Almeida AS, Picon PD, Wender OC. Outcomes of patients subject to aortic valve replacement surgery using mechanical or biological prostheses. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;26(3):326-37.

7. Stassano P, Di Tommaso L, Monaco M, Iorio F, Pepino P, Spampinato N, et al. Aortic valve replacement: a prospective randomized evaluation of mechanical versus biological valves in patients ages 55 to 70 years. J Am Coll Cardiol. 2009;54(20):1862-8. [MedLine]

8. Astor BC, Kaczmarek RG, Hefflin B, Daley WR. Mortality after aortic valve replacement: results from a nationally representative database. Ann Thorac Surg. 2000;70(6):1939-45. [MedLine]

9. Pomerantzeff PM, Brandão CM, Cauduro P, Puig LB, Grinberg M, Tarasoutchi F, et al. Fisics-Incor bovine pericardial bioprostheses: 15 year results. Heart Surg Forum. 1998;1(2):130-5. [MedLine]

10. Marchand MA, Aupart MR, Norton R, Goldsmith IR, Pelletier LC, Pellerin M, et al. Fifteen-year experience with the mitral Carpentier-Edwards PERIMOUNT pericardial bioprosthesis. Ann Thorac Surg. 2001;71(5 Suppl):S236-9. [MedLine]

11. Mykén P, Bech-Hanssen O, Phipps B, Caidahl K. Fifteen years follow up with the St. Jude Medical Biocor porcine bioprosthesis. J Heart Valve Dis. 2000;9(3):415-22. [MedLine]

12. Pomerantzeff PM, Barbosa GV, de Sousa Filho BS, Brandão CM, Ribeiro EJ, Costa FD, et al. Guidelines for surgery in heart valve diseases. Arq Bras Cardiol. 2004;82(Suppl 5):22-33. [MedLine]

13. Bottio T, Rizzoli G, Caprili L, Testolin L, Thiene G, Gerosa G. Biological versus mechanical aortic prosthesis? A nineteen-year comparison in a propensity-matched population. J Heart Valve Dis. 2005;14(4):493-500. [MedLine]

14. Filsoufi F, Chikwe J, Castillo JG, Rahmanian PB, Vassalotti J, Adams DH. Prosthesis type has minimal impact on survival after valve surgery in patients with moderate to end-stage renal failure. Nephrol Dial Transplant. 2008;23(11):3613-21. [MedLine]

15. Silberman S, Oren A, Dotan M, Merin O, Fink D, Deeb M, et al. Aortic valve replacement: choice between mechanical valves and bioprostheses. J Card Surg. 2008;23(4):299-306. [MedLine]

16. Brandão CMA, Pomerantzeff PMA, Souza LR, Tarasoutchi F, Grimberg M, Oliveira SA. Fatores de risco para mortalidade hospitalar nas reoperações valvares. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2002;17(3):236-41. Visualizar artigo

17. Cen YY, Glower DD, Landolfo K, Lowe JE, Davis RD, Wolfe WG, et al. Comparison of survival after mitral valve replacement with biologic and mechanical valves in 1139 patients. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;122(3):569-77. [MedLine]

18. Fernandes AM, Bitencourt LS, Lessa IN, Viana A, Pereira F, Bastos G, et al. Impact of socio-economic profile on the prosthesis type choice used on heart surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):211-6. [MedLine] Visualizar artigo

19. Gus I, Zaslavsky C, Seger JM, Strehl Machado R. Epidemiology of rheumatic fever. A local study. Arq Bras Cardiol. 1995;65(4):321-5. [MedLine]

Não houve suporte financeiro.

Papéis & responsabilidade dos autores

AMSF: Autor principal

FSP: Coleta de material, análise estatística

LSB: Coautora

AVPN: Pesquisa de referências

GBB: Levantamento de prontuário, coleta de material

ARD: Pesquisa de referências

RAJ: Pesquisa de referências

INL: Pesquisa de referências

Article receive on terça-feira, 20 de agosto de 2013

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