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ARTIGO ESPECIAL

Regionalização da cirurgia cardiovascular pediátrica brasileira

Valdester Cavalcante Pinto JúniorI; Maria de Nazaré de Oliveira FragaII; Sílvia Maria de FreitasIII; Ulisses Alexandre CrotiIV

DOI: 10.5935/1678-9741.20130036

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CC: Cardiopatia congênita

EUA: Estados Unidos da América

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

SAS: Secretaria de Atenção à Saúde

UACAC: Unidade de Assistência Cardiovascular de Alta Complexidade

UH: Unidade Hospitalar

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Atenção Cardiovascular de Alta complexidade, publicada em 2004, estabelece na Portaria nº 210, anexo IV, parâmetros de distribuição de Serviços de Alta Complexidade em Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, sinalizando para uma rede de atenção integral aos portadores de cardiopatias congênitas [1]. Tal atitude visava distribuir, em todo território nacional, serviços especializados em cirurgia cardiovascular pediátrica, usando o critério população como base de cálculo.

A cardiopatia congênita tem impacto na mortalidade perinatal, sendo responsável, no Brasil, em 2007, por 6% dos óbitos infantis, abaixo de 1 ano de idade [2]. Em outro estudo, em 2010, no estado de São Paulo, para mesma faixa etária, foi relatada mortalidade de 8,5% [3].

Mesmo com implementação de regulamentações e investimentos, os déficits de procedimentos cirúrgicos continuam elevados. Em 2002, o déficit no Brasil era de 65% [4] e, em 2008, de 62% [2]. No estado de São Paulo, em 2010, 50% das crianças abaixo de 1 ano de idade ficaram sem tratamento cirúrgico [3].

Em 2009, Pinto Jr et al. [5] concluíram que a não-observação, por parte do Ministério da Saúde, das diferenças regionais, ao publicar normas-padrão para todos, e a não-remuneração adequada por procedimento, devem dificultar a ampliação no atendimento.

O tema regionalização, premissa das políticas públicas de saúde, não tem sido objeto de estudo por parte dos cirurgiões cardiovasculares, embora interfira no acesso dos pacientes ao tratamento, com impacto nos resultados imediatos e tardios.

Este artigo contribui para ampliar o acervo bibliográfico, por revelar o panorama nacional quanto à distribuição de centros de cirurgia cardiovascular pediátrica, à luz de discursos e conceitos sobre regionalização.

 

CONCEITOS DE REGIONALIZAÇÃO

A regionalização é um esquema de implantação racional dos recursos de saúde, organizados segundo uma disposição hierárquica, na qual é possível máxima atenção nos centros primários, enquanto os demais serviços vão sendo apropriadamente utilizados de acordo com as necessidades individuais do paciente [6].

Para Somers & Somers [7], a regionalização é um sistema formal de alocação de recursos com apropriada distribuição geográfica das instalações de saúde, dos recursos humanos e programas, de forma que as diferentes atividades profissionais cubram todo o espectro da atenção compreensiva, primária, secundária, terciária e de longa permanência, com todos os acordos, conexões e mecanismos de referência necessários, estabelecidos para integrar vários níveis e instituições em um conjunto coerente e capaz de servir a todas as necessidades dos pacientes, dentro de uma base populacional definida.

O princípio básico da regionalização é que a atenção à saúde deve ser oferecida, no máximo possível, pelo nível inferior do sistema. Para tal, é necessário equilibrar os desejos e necessidades do público de ter serviços de saúde perto de suas casas, assim como instalações centralizadas de maior prestígio e complexidade. A regionalização pressupõe a alocação de recursos de saúde em determinada área, em uma ordem que facilite o acesso, ofereça alta qualidade dos serviços, baixo custo, equidade, com uma melhor e mais rápida resposta aos desejos e necessidades dos consumidores [8].

A regionalização também é referida nos serviços privados nos Estados Unidos da America (EUA). Os serviços de saúde do setor privado se organizam pelo mercado. Essa distribuição pode ser hierarquizada segundo o tamanho das empresas, ficando as menores localizadas nas cidades do interior e as maiores, nos grandes centros urbanos. Essa distribuição espacial dos serviços privados se denomina "teoria do sítio central" e está orientada por três fatores: volume de demanda para cada uma das unidades, economia da escala de produção e custos de transporte [9].

O enfoque de regionalização propõe encontrar equilíbrio entre a excessiva centralização estrutural e a descentralização total dos serviços de saúde. Para alguns setores, nesse enfoque, a distância a percorrer entre a moradia e os centros primários não deveria ultrapassar mais de 30 minutos e estes deveriam dar cobertura a uma população variando entre 20.000 e 50.000 habitantes em áreas urbanas. Os hospitais gerais não deveriam ficar a mais de duas horas do domicílio e deveriam oferecer uma cobertura oscilando entre 50.000 e 200.000 habitantes [9].

Os hospitais terciários especializados, com mais de 400 leitos, deveriam cobrir uma população aproximada de 1.000.000 de habitantes, em articulação com os centros universitários e com os demais serviços do nível secundário A maior quantidade de leitos desses estabelecimentos estaria determinada pela complexidade tecnológica e pelas economias de escala. Essas unidades poderiam atender a um raio geográfico de população localizada a uma distância temporal relativamente maior (3 a 4 horas) [9].

A distância seria o critério mais importante para estabelecer a distribuição geográfica das instituições de saúde dentro de um sistema regionalizado. Não se pode deixar de comentar que, em um país com distâncias gigantescas, diferenças regionais enormes, destacando-se os extremos entre regiões quase despovoadas e centros urbanos superpopulosos, é preciso pensar com criatividade e contextualizar os parâmetros mediante adaptações viáveis e que tragam impactos positivos sobre a situação problemática. O grande critério é o acesso [8].

Para efetivar a regionalização, é necessária a inter-relação com outro princípio, a hierarquização, com fundamento no fato de que é possível resolver, com eficácia satisfatória, determinados conjuntos de problemas de saúde com funções de produção de complexidades distintas e, portanto, com diferentes custos sociais escalonados por níveis de atenção. Os níveis de atenção são diferentes "tecnologias adequadas" quanto à eficácia, ao custo social e à viabilidade de conjuntos específicos de problemas de saúde de várias complexidades, classificados em primários, secundários e terciários. Por consequência, a hierarquização está determinada pela garantia de resolubilidade que se deve dar de acordo com a complexidade tecnológica exigida em cada nível e no nível do sistema como um todo [8].

A regionalização poderia obedecer a vários critérios: região homogênea; região polarizada; região de planejamento. No primeiro caso, estaria baseada na possibilidade de agregação territorial com base em características uniformes, arbitrariamente especificadas. No segundo caso, corresponderia a uma área geográfica influenciada por um polo de desenvolvimento econômico, representado por uma empresa, aglomeração industrial, atividade terciária proeminente ou centro urbano. Essa área pode ter um formato regionalizado, na medida em que em torno do polo mais destacado podem estar distribuídos sítios menores de produção e distribuição, visando a economias de transporte e de escala e adequações à demanda. A área corresponderia, portanto, a um espaço articulado por fluxos de produção e comércio. No caso da região de planejamento, esta deriva da aplicação de critérios político-administrativos instrumentalizados na atividade de planejamento. Define-se região com base na intencionalidade da autoridade política, que afirma uma compreensão de território baseada nas necessidades de execução de determinados serviços públicos, no exercício do poder regulatório do estado ou, por exemplo, da focalização de políticas públicas setoriais em determinada parte do território [10].

No caso da saúde, a regionalização obedece prioritariamente ao critério de planejamento de uma oferta de serviços, à necessidade de racionalizar a dinâmica de articulação destes, instituindo maior coordenação e atingindo resultados em termos de mais acesso e equidade. Os dois primeiros critérios também podem ser considerados de maneira mais subordinada [8].

A regionalização do cuidado em cardiologia pediátrica ou a colaboração entre centros regionais pode não apenas melhorar os resultados por concentrar a experiência, como também facilita a avaliação da qualidade em razão do aumento de volume cirúrgico [11].

Outro aspecto que impende destacar é a necessidade de levar em conta e aprofundar a análise do mix público-privado, visando ao entendimento de que é possível e salutar o estabelecimento de uma relação de real complementaridade, que inclua a saúde suplementar, que permita o preenchimento dos vazios de complexidade do setor público pelo privado e vice-versa [8].

Esses convênios representam para os hospitais universitários recursos extras, que ajudariam a compensar o quadro de redução nos valores do repasse de recursos federais e contribuiriam para aumentar sua autonomia gerencial. Para evitar um prejuízo para o atendimento da clientela do SUS, supõe-se a necessidade de que sejam incrementadas a capacidade instalada dos hospitais e sua dotação de leitos [12].

Alguns hospitais adotam novas modalidades de gerência, denominadas de "parcerias". São modalidades que propõem mudança na relação entre o setor público estatal e o particular na produção de serviços de saúde, por meio, por exemplo, da disposição de parcela de leitos de hospitais estatais para o mercado, que se convencionou denominar "subsídio cruzado": a conexão entre o sistema de saúde estatal - público e gratuito - e o sistema supletivo - particular e pago [13].

Regionalização da Cirurgia Cardiovascular Pediátrica

Os dados analisados neste artigo foram obtidos junto ao DATASUS, à Secretaria de Atenção à Saúde (SAS)/MS e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Alguns dados secundários coletados junto ao Ministério da Saúde-DATASUS são de domínio público e foram obtidos via internet, como aqueles relacionados aos quantitativos de internações hospitalares. Outros grupos de informações não estão disponíveis na internet e compreendem, fundamentalmente, número de serviços de cirurgia cardiovascular para adultos e pediatria, distribuídos por estados e regiões; frequência de procedimentos e investimentos em cirurgia cardiovascular pediátrica, distribuídos conforme região, unidade federativa, instituições e faixas etárias. Para que tais dados fossem liberados, foi feita solicitação específica junto à Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, sendo liberado banco de dados fornecido pelo DATASUS/Ministério da Saúde.

Os dados do IBGE foram obtidos basicamente pela aquisição de publicações e também pelo acesso a sua página da internet.

Atualmente, existem 240 estabelecimentos de saúde habilitados na assistência cardiovascular de alta complexidade (UACAC). Destes, 199 estão habilitados como unidades de assistência e 41, como centros de referência. Existem 140 hospitais habilitados a realizar cirurgia cardiovascular exclusivamente em pacientes adultos, oito habilitados exclusivamente para cirurgia cardiovascular pediátrica e 58 estão habilitados para realizar cirurgias em adultos e pediátrica, 166 em cirurgia vascular, 201 em cardiologia intervencionista, 58 em procedimentos endovasculares extracardíacos e 54 em eletrofisiologia, conforme discriminado na Tabela 1.

 

 

Para a distribuição geográfica dos Serviços de Assistência de Alta Complexidade em Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, a Portaria nº 210 (anexo IV) toma como base a proporção de 1:800.000 habitantes. Aplicados esses parâmetros às populações estimadas para 2009 (IBGE) das unidades federadas e regiões brasileiras, foi feita a correlação da meta de cadastramento com os quantitativos de serviços habilitados. Dessa forma, elaborou-se a Tabela 2, na qual fica demonstrado que o País e a especialidade convivem com déficits que, em alguns territórios, representam a ausência total de serviços. Sendo assim, já se pode afirmar que o princípio de regionalização não se concretizou na implantação da política. Essa realidade pode ser explicada por diversas causas, em que se somam as diferenças regionais, a falta de profissionais qualificados e de instituições hospitalares com infraestrutura para que sejam realizados os complexos procedimentos demandados.

 

 

Regionalização: uma Análise sobre a Frequência de Procedimentos

As unidades de saúde habilitadas a realizar procedimentos em cardiopatias congênitas podem ser classificadas segundo a faixa etária da clientela que atendem. Oito unidades realizam procedimentos em pacientes abaixo de 18 anos, 58 atendem tanto adultos quanto crianças e 140 atendem pessoas acima de 12 anos.

As faixas etárias estudadas foram: faixa etária geral; de 0 - 29 dias; e de um mês a 11 anos.

Vale salientar que as vinte maiores instituições em relação ao volume de cirurgias, no ano de 2008, estão habilitadas como unidades de cirurgia cardiovascular pediátrica ou associada à cirurgia cardiovascular de adulto.

Já levando em consideração o atendimento a todas as faixas etárias, a distribuição das vinte maiores instituições conforme a região foi: seis (30%) unidades na região Nordeste, três (15%) no Centro-Oeste, sete (35%) no Sudeste, quatro (20%) no Sul e nenhuma na região Norte.

Com mais de 200 procedimentos realizados em 2008, foram encontrados ao todo sete (35%) unidades, sendo duas na região Sul, uma na Centro-Oeste e quatro na Sudeste. Entre 100 e 200 procedimentos realizados no mesmo ano, há 12 (60%) unidades, sendo cinco, três, duas e duas, respectivamente, na região Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Abaixo de 100 procedimentos realizados naquele ano há apenas uma unidade (5%), na região Nordeste (Figura 1).

 

 

A frequência de procedimentos nas 185 instituições que apresentaram produção variou de um a 536, sendo a média correspondente a 36,2 ± 69,5. Vale salientar que 108 instituições realizaram menos de 12 procedimentos no ano de 2008. Já a frequência de procedimentos das 20 maiores instituições variou de 95 a 536, com média correspondente a 200 ± 107.

Quando estratificadas as 20 maiores instituições que atendem à faixa etária de um mês a menos de um ano, encontra-se a distribuição geográfica: uma (5%) unidade na região Norte, cinco (25%) unidades na Nordeste, três (15%) unidades na região Centro-Oeste, seis (30%) na região Sudeste e cinco (25%) na região Sul. Para a mesma faixa etária, considerando mais de 100 procedimentos/ ano realizados, foram identificadas apenas duas (10%) unidades, sendo uma na região Sul e outra na região Sudeste. Entre 50 e 100 procedimentos/ano realizados, há seis unidades (30%), sendo uma na região Nordeste, três na região Sudeste, uma na Centro-Oeste e uma na Sul. Abaixo de 50 procedimentos/ano realizados, há 12 unidades (60%), sendo uma na região Norte, quatro na Nordeste, duas na Sudeste, duas na Centro-Oeste e três na Sul (Figura 2). Portanto, as maiores instituições hospitalares que atendem a crianças de um mês a menos de um ano estão relativamente bem distribuídas em todas as regiões geográficas, com exceção da região Norte, que detém o menor percentual entre elas (5%).

 

 

Em relação a essa mesma faixa etária, nas 66 instituições que apresentaram produção, esta variou de um a 114 procedimentos/ano, com média de 21,2 ± 27,2, e que realizaram menos de 12 procedimentos/ano foram encontradas 38 instituições. Nas 20 maiores instituições, a produção variou de 26 a 114 procedimentos/ano, com média de 55 ± 27.

Para o tratamento cirúrgico dos pacientes neonatos, ou seja, crianças entre zero e 29 dias, a localização das 20 maiores instituições é a seguinte: duas unidades na região Nordeste (10%), três no Centro-Oeste (15%), nove na Sudeste (45%) e seis no Sul (30%). Em relação ao volume de procedimentos realizados, a distribuição encontrada foi: acima de 50 procedimentos/ano, apenas uma unidade na região Sul; entre 20 e 50 procedimento/ano, sete unidades, sendo uma no Centro-Oeste, quatro no Sudeste e duas no Sul; abaixo de 20 procedimentos/ano, 12 unidades, sendo duas no Nordeste, cinco no Sudeste, duas no Centro-Oeste e três no Sul (Figura 3). Sendo assim, as maiores instituições que realizam procedimentos cirúrgicos estão localizadas entre o Sul e o Sudeste (75%) e só as de médio e pequeno porte estão mais bem distribuídas geograficamente, a despeito da ausência de instituições na região Norte.

 

 

Em relação aos procedimentos cirúrgicos, nas 56 instituições que apresentaram produção, esta variou de um a 51 procedimentos/ano, com média 9 ± 11; foram encontradas 41 instituições que realizaram menos de 12 procedimentos/ano. Já a frequência de procedimentos das 20 maiores instituições variou de sete a 51, com média 20,6 ± 11,7.

Há, portanto, um adensamento dos maiores centros habilitados para o tratamento dos portadores de cardiopatias congênitas nas regiões Sul e Sudeste e em menor proporção nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, estando a região Norte, com exceção do tratamento aos portadores a pacientes entre um mês e um ano de idade, excluída do mapa das maiores instituições do Brasil. Quando o Poder público espera intervenções da sociedade e, sabidamente, a demanda existe, está transferindo para outrem o que é da sua responsabilidade - promover saúde. O Poder público dever ter um olhar diferenciado para as minorias, onde a cardiopatia congênita e também a cardiopatia adquirida do grupo pediátrico se encontram, estabelecendo recursos suficientes para atender as demandas específicas.

"A utilização apenas de critérios de custo/efetividade pode resultar em discriminação de grupos humanos minoritários, tais como deficientes e portadores de patologias cuja expressão é de menor magnitude em uma determinada população"[14].

Gestores do Ministério da Saúde, participantes de um estudo [2], não defenderam um número específico de centros para a atenção cardiovascular pediátrica no País, mas a concentração de procedimentos em um número menor de centros como sendo uma opção para proporcionar melhores resultados.

"Os procedimentos de alta complexidade tem uma regionalização diferente porque eles estão mais centralizados. [...] Por vezes, se faz referência para várias macrorregiões, haja vista até entre estados" (EG1). "A estrutura da cirurgia cardíaca pediátrica é tão pesada que alguma concentração não é perniciosa. Do ponto de vista geral, eu prefiro menos centros fazendo mais cirurgias, uma estrutura mais azeitada do que muitos centros [...] Não precisa de duzentos e pouco centros no país, provavelmente um número menor e eficaz no país, bem distribuído. [...] não tenho esse número mágico aqui"(EG2).

Os discursos apontam para a conveniência de repensar a própria regionalização, bem como parâmetros propostos isoladamente e que parece mais oportuno fazer associações deles com outros. Mostram, ainda, que o Poder público não pode abdicar de seu papel de articulador e maior responsável pela regulação do que definiu na política.

No mesmo estudo [2], diretores da sociedade médica que agrega a especialidade em apreço, foram indagados sobre o modelo de serviço que atendesse de forma ideal, aos portadores de cardiopatias congênitas.

"O hospital pediátrico que cuida da cardiopatia congênita vai ter muita dificuldade para conseguir dar a assistência aos pacientes de cardiopatias congênitas que ultrapassaram a idade pediátrica, adultos e adultos jovens e essa é uma população em franca ascendência [...]. Então, me soa muito mais lógico uma instituição cardiológica que dê assistência a pacientes portadores de cardiopatia congênita de qualquer idade, como é a maioria dos modelos dos centros. É mais difícil você aparelhar uma instituição pediátrica com uma estrutura para cuidar de adulto, do que aparelhar uma instituição cardiológica com uma estrutura para cuidar de criança" (CC2).

"Talvez uma ou duas grandes instituições no país voltadas ao tratamento das cardiopatias congênitas pudessem ser replicadoras de conhecimento e tecnologia nessa área, seria importante. Num país com dimensões continentais, seria muito difícil termos hospitais específicos em cada área [...]. Em determinadas condições em que haja consenso pode haver centros importantes ou de referência para o tratamento de determinadas cardiopatias complexas tipo hipoplasia de coração esquerdo. Então se a gente quiser um resultado melhor, talvez a concentração dos casos em centros que tenham condições máximas e melhores para trabalhar com esse tipo de criança [...] seja a ideia" (CC4). "Uma vez portador de cardiopatia congênita, mesmo operado, o indivíduo necessitará de acompanhamento e dependendo da cardiopatia pode ser necessário outros procedimentos cirúrgicos ao longo da vida. Assim, o ideal seria uma instituição em que houvesse comunicação entre pediatras e médicos de adultos, com continuidade no tratamento sem haver quebra e isso pode acontecer deste que haja ou que se crie um convênio entre uma instituição pediátrica e outra que faça só adulto" (CCE).

Segundo esses discursos, os entrevistados apontaram para a criação de centros especializados em que, independentemente da idade, o paciente com problema cardíaco congênito encontraria ali a atenção de que necessita. Alguns desses centros também seriam formadores de profissionais das diversas áreas, funcionando como replicadores de conhecimento. Os representantes das entidades médicas da especialidade também ponderaram a possibilidade da manutenção de hospitais voltados ao tratamento de adultos ou mesmo de hospitais infantis, desde que esses oficializem convênios com hospitais que realizam cirurgias cardíacas de crianças ou de adulto, respectivamente, e que tenham equipes habilitadas ao tratamento demandado pelos pacientes. Essa estratégia seria uma forma de potencializar a rede de instituições de saúde em regiões com déficits importantes de procedimentos. Essas argumentações são corroboradas pelo pensamento de Oechslin & Hoffmann [15], que preconizam centros de referência suprarregional com cardiologistas treinados para cardiopatia congênita em adultos e crianças e experientes nas suas necessidades especiais, problemas e gestão dessa população única. E concluem dizendo que a estreita colaboração entre cardiologistas pediátricos e de adultos, participando conjuntamente no cuidado dos pacientes da enfermidade cardíaca congênita, é muito importante.

Em suma, foram identificadas e mapeadas, por regiões, as vinte maiores unidades hospitalares brasileiras responsáveis pelo tratamento das cardiopatias congênitas. É possível, portanto, a partir deste estudo: construir uma rede regionalizada de assistência distribuída equitativamente em todas as regiões do Brasil; promover um Centro de Referência Suprarregional, como referência no tratamento de cardiopatias complexas, instituições com histórico de atenção a todas as cardiopatias congênitas e em todas as faixas etárias; e criar Centros Tutores para formação multiprofissional, tendo como partida os Centros de Referência Suprarregional. Contudo, a assistência ao cardiopata pediátrico, num país continental, necessita da intencionalidade da autoridade política, que deve ter a compreensão de território baseada nas necessidades de execução de determinados serviços públicos, tendo foco políticas públicas setoriais em determinada parte do território, sob o risco de promover políticas públicas injustas e discriminatórias contra grupos minoritários.

REFERÊNCIAS

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2. Pinto Jr VC. Avaliação da política nacional de atenção cardiovascular de alta complexidade com foco na cirurgia cardiovascular pediátrica [Dissertação de mestrado]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2010.

3. Caneo LF, Jatene MB, Yatsuda N, Gomes WJ. Uma reflexão sobre o desempenho da cirurgia cardíaca pediátrica no Estado de São Paulo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(3):457-62. [MedLine] Visualizar artigo

4. Pinto Jr VC, Daher CV, Sallum FS, Jatene MB, Croti UA. Situação das cirurgias cardíacas congênitas no Brasil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(2):III-VI. Visualizar artigo

5. Pinto Jr VC, Rodrigues LC, Muniz CR. Reflexões sobre a formulação de política de atenção cardiovascular pediátrica no Brasil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(1):73-80. [MedLine] Visualizar artigo

6. Novaes HM, Mir RC. Sistemas locales de salud: um medio para la regionalización de los servicios de salud. In: Paganini JM, Mir RC, eds. Los sistemas locales de salud: conceptos, métodos, experiencias. Publicación Científica no 519. Washington: OPAS; 1990.

7. Somers AR, Somers HM. Certificate of need regulation, the case of New Jersey. In: Regionalization and Health Policy.U.S. Department of Commerce. N.T.I.S., 1977.

8. Artmann E, Rivera FJU. Regionalização em saúde e mix público-privado. 2003. [Internet]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/data/files/8A958865266CAFE201267FB74FC828E9/TT_AS_05_EArt mann_RegionalizacaoEmSaude.pdf. Acesso em: 21/5/2009.

9. Stanback TM. Regionalization of professional services: private sector analogue. In: Regionalization and Health Policy.US. Department of Commerce.N.T.I.S.; 1977. p.7-15.

10. Hilhorst J. Planejamento regional, enfoque sobre sistemas. Rio de Janeiro: Zahar; 1975.

11. Chang RK, Klitzner TS. Can regionalization decrease the number of deaths for children who undergo cardiac surgery? A theoretical analysis. Pediatrics. 2002;109(2):173-81. [MedLine]

12. Souza RG, Bodstein RCA. Inovações na intermediação entre os setores público e privado na assistência à saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2002;7(3):481-9.

13. Cohn A, Elias PE, Ianni AMZ. O público e o privado no Hospital de Clínicas de São Paulo. In: Negri B, Viana ALA, orgs. O SUS em dez anos de desafio. São Paulo: Sobravime/Cealag; 2002.

14. Fortes PAC. Reflexões sobre o princípio ético da justiça distributiva aplicado aos sistemas de saúde. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, orgs. Bioética e saúde pública. São Paulo: Edições Loyola; 2003. p.35-47.

15. Oechslin E, Hoffmann A. Organizational and medical aspects of transition of juveniles with congenital heart defects to adult cardiology care. Ther Umsch. 2001;58(2):111-8. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

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