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RELATO DE CASO

Cisto tímico como diagnóstico diferencial de doença aguda da aorta torácica

Marcos Gradim TIVERONI; Ricardo Ribeiro DiasII; Luiz Alberto BENVENUTIIII; Noedir Antônio Groppo StolfIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400021

RESUMO

Paciente encaminhada de outro serviço com história de dor torácica aguda de forte intensidade com diagnóstico de hematoma intramural na aorta ascendente para correção cirúrgica. Após investigação diagnóstica, identificou-se tumoração cística no mediastino anterior, que envolvia toda a aorta ascendente e que produzia restrição ao enchimento diastólico do ventrículo direito. A análise histológica do tumor ressecado revelou o diagnóstico de cisto tímico. Objetivo deste relato é descrever tumoração mediastinal de baixa prevalência, que pode produzir imagem radiológica com características de hematoma intramural e resultar em conduta terapêutica equivocada.

ABSTRACT

Patient was referred to our Service with acute thoracic pain and diagnosis of intramural hematoma of the ascending aorta for surgical correction. The diagnostic investigation showed a cystic tumor involving the ascending aorta causing restriction of the right ventricular inflow. After resection, the histologic analysis disclosed the diagnosis of thymic cyst. The aim of this study is to describe a rare mediastinal tumor that may simulate a radiologic feature with characteristics of intramural hematoma and may result in a wrong therapeutic approach.
INTRODUÇÃO

Os tumores e cistos primários do mediastino são incomuns, afetam pacientes de todas as idades, sendo mais freqüentes em jovens e adultos de meia idade e, em sua maioria, são identificados em exames de rotina. As lesões benignas geralmente são assintomáticas e as lesões malignas se associam a dor torácica, derrame pleural, paralisia diafragmática, perda ponderal e/ou febre. O diagnóstico é confirmado pela biópsia e análise histológica, porém a suspeita clínica de uma lesão específica pode ser feita considerando-se sua localização, idade do paciente, presença ou ausência de sintomas e associação com doenças sistêmicas. A maioria das lesões do mediastino anterior (estruturas comprometidas entre o esterno e o pericárdio) é de origem tímica, existindo, porém, relatos recentes na literatura de lesões tímicas (timoma e cisto tímico) localizadas no mediastino médio. Em relação aos tumores do mediastino anterior, o cisto tímico ocupa a nona posição, sendo antecedido pelas seguintes neoplasias: timoma, tumor de células germinativas, linfoma, linfangioma, hemangioma, lipoma, fibroma e fibrossarcoma [1-3].

Os cistos tímicos são tumores mediastinais infreqüentes, correspondendo de 1% a 3% das lesões do mediastino [4]. Raramente são sintomáticos, porém, em decorrência de seu efeito de massa está associado a sintomas de dispnéia, tosse ou dor torácica. A tomografia ou a ressonância de tórax são os métodos diagnósticos que fornecem informações precisas sobre as características das massas tumorais do mediastino.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 79 anos, transferida para a Unidade de Emergência com quadro de dor torácica de forte intensidade e dispnéia iniciada há 15 dias, com o diagnóstico de dissecção da aorta tipo A de Stanford (hematoma intramural) após realização de tomografia de tórax no hospital de origem. A paciente apresentava, como doenças de base, hipertensão arterial sistêmica e miocardiopatia isquêmica com fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 35% (dois infartos prévios e duas angioplastias com stent na artéria interventricular anterior).

Durante a investigação diagnóstica em nosso hospital, não havia alterações no exame físico e observou-se ao eletrocardiograma área inativa em parede anterior, enzimas cardíacas normais e alargamento do mediastino. O ecocardiograma transtorácico evidenciou, além da acinesia septal e anterior, derrame pericárdico moderado, com sinais de restrição ao enchimento diastólico das câmaras cardíacas à direita e aorta ascendente dentro dos limites da normalidade. A angiotomografia de tórax evidenciou aorta ascendente com calibre máximo de 38 mm, sem sinais de dissecção, derrame pericárdico volumoso e uma formação cística mediastinal anterior medindo 11,5cm x 6,8cm x 9,0cm, envolvendo a aorta ascendente, com imagem compatível a cisto pericárdico (Figuras 1A e 1B). A paciente foi submetida a ressecção cirúrgica do tumor através de esternotomia longitudinal, sendo identificada lesão cística unilocular, medindo cerca de 13cm x 7cm, envolvendo toda a aorta ascendente (Figura 2A). A análise histológica revelou tratar-se de áreas de tecido tímico entremeadas por tecido linfóide (Figura 2B). A paciente apresentou boa evolução, permanecendo assintomática e sem recidiva do tumor seis meses após o procedimento.


Fig. 1 - Angitomografia da aorta torácica. Tomografia computadorizada de tórax em corte sagital (à esquerda) e em corte axial (à direita) mostrando formação cística envolvendo a aorta ascendente. Ao: Aorta; CT: Cisto Tímico; VE: Ventrículo Esquerdo; TP: Tronco Pulmonar


Fig. 2 - Cisto Tímico. A: Fotografia intra-operatória do cisto tímico após esternotomia longitudinal. B: Fotografia de corte histológico do cisto tímico, caracterizado por: A. fibrose (asterisco) parcialmente revestida por células epiteliais achatadas (seta); B. restos de cisto tímico, caracterizado pela presença de corpúsculos de Hassall (seta) em meio ao infiltrado linfóide (Hematoxilina-eosina; aumento de 200ì;100ì). Ao: Aorta; CT: Cisto Tímico; P: Pericárdio



DISCUSSÃO

Os cistos tímicos representam cerca de 1% de todas as massas mediastinais. Quando somente as lesões císticas tímicas são analisadas, encontram-se incidências que variam de 12% a 30% [5]. Sua localização mais freqüente é no mediastino anterior, podendo também ser encontrado na região cervical, de acordo com o desenvolvimento do timo.

O cisto tímico pode ser unilocular ou multilocular. Os uniloculares provavelmente apresentam origem congênita (derivado de tecido tímico embriológico), possuem uma fina cápsula fibrosa composta de epitélio cubóide, escamoso, colunar ou transicional. Em seu interior há, na maioria das vezes, líquido seroso claro, que também pode ser espesso, sangüíneo ou heterogêneo, e sua parede pode apresentar traços de colesterol, sinais de inflamação crônica, hemorragia ou calcificação [6].

O aspecto mais importante, que permite o diagnóstico definitivo da lesão, é a presença de tecido tímico na parede do cisto, caracterizado por uma diferenciação corticomedular, sendo que os corpúsculos de Hassall podem ser encontrados em cerca de 50% dos casos. Os cistos multiloculares são geralmente lesões adquiridas e geralmente decorrem de infecções, traumas ou neoplasias, como ocorre na doença de Hodgkin ou em associação a outras doenças como na síndrome da imunodeficiência humana e em doenças auto-imunes, como a síndrome de Sjogrën.

Os sintomas variam conforme seu tamanho e localização, podendo causar dor torácica, dispnéia, tosse, disfagia e sintomas de baixo débito cardíaco [7]. São normalmente descobertos entre a 3ª e 6ª década de vida, geralmente em exames radiológicos de rotina ou em cirurgias cervicais ou torácicas. Suas características na tomografia de tórax são de uma lesão de conteúdo homogêneo com baixo teor de atenuação, geralmente entre 0 a 20 Hounsfield Units. Vale ressaltar que a análise radiológica das imagens do cisto tímico, circundando totalmente a aorta ascendente, quando feita por profissionais sem experiência, pode resultar em erro diagnóstico e, como conseqüência, erro na conduta terapêutica.

O tratamento do cisto tímico unilocular é controverso. Alguns autores acreditam que a ressecção é necessária para a definição diagnóstica, uma vez que o diagnóstico é histológico. Relatos de transformação maligna e de neoplasias incipientes também são indicações para abordagem cirúrgica [8]. Os cistos multiloculares, por sua vez, devem ser removidos para que qualquer degeneração maligna seja identificada. A ressecção cirúrgica geralmente é curativa e pode ser realizada através da videotoracoscopia, da esternotomia longitudinal ou toracotomia de modo seguro e eficiente.


REFERÊNCIAS

1. Shields TW. Mesothelial and other less common cysts of the mediastinum. In: Shields TW, Lucicero J, Ponn RB, Rusch VW, editors. General thoracic surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p.2489-93.

2. Kallás E, Hueb AC, Kallás IE, Kallás AC. Timoma do mediastino médio: relato de caso. Rev Bras Cir Cardiosvasc. 2005;20(2):189-91.

3. Minniti S, Valentini M, Pinali L, Malagò R, Lestani M, Procacci C. Thymic masses of the middle mediastinum: report of 2 cases and review of the literature. J Thorac Imaging. 2004;19(3):192-5. [MedLine]

4. McCafferty MH, Bahnson HT. Thymic cyst extending into the pericardium: a case report and review of thymic cysts. Ann Thorac Surg. 1982;33(5):503-6. [MedLine]

5. Takeda S, Miyoshi S, Minami M, Ohta M, Masaoka A, Matsuda H. Clinical spectrum of mediastinal cysts. Chest. 2003;124(1):125-32. [MedLine]

6. Miller JS, LeMaire SA, Reardon MJ, Coselli JS, Espada R. Intermittent brachiocephalic vein obstruction secondary to a thymic cyst. Ann Thorac Surg. 2000;70(2):662-3. [MedLine]

7. Stas P, Declercq I, Van Raemdonck D, Dubois C, Desmet W. Cardiac compression by a thymic cyst. Int J Cardiol. 2007;114(3):e91-2. [MedLine]

8. Morresi-Hauf A, Wöckel W, Kirchner T. Thymic cyst with initial malignant transformation. Pathologe. 2008;29(4):308-10. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 15 de abril de 2008

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