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EXPERIÊNCIA DE SERVIÇO

EuroSCORE e os pacientes submetidos a revascularização do miocárdio na Santa Casa de São Paulo

Valquíria Pelisser CampagnucciI; Ana Maria Rocha PINTO e SILVAII; Wilson Lopes PereiraIII; Eduardo Gregório ChamlianIV; Sylvio Matheus de Aquino GandraV; Luis Antonio RIVETTIVI

DOI: 10.1590/S0102-76382008000200017

RESUMO

Objetivo: Avaliar o perfil atual do paciente submetido a revascularização do miocárdio na Disciplina de Cirurgia Cardíaca da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, verificar o risco de mortalidade esperada neste grupo, por meio da aplicação do Sistema Europeu de Risco em Operações Cardíacas (EuroSCORE), e confrontá-lo com a mortalidade observada. Métodos: Analisamos 100 pacientes consecutivos submetidos a revascularização do miocárdio, de maio de 2005 a novembro de 2006. Identificamos os fatores predisponentes à coronariopatia e analisamos os critérios de risco de mortalidade pelo EuroSCORE. Comparamos as taxas de mortalidade esperadas com as observadas na amostra. Aplicamos o teste do qui-quadrado para análise univariada e o teste de Hosmer-Lemeshow para ajuste do modelo de regressão logística. Resultados: A mortalidade hospitalar foi 5,0%. Na análise univariada, para escore 0-2 a mortalidade prevista pelo EuroSCORE foi de 0,40% e a encontrada 0%. Para o escore 3-5, a mortalidade prevista foi de 1,45% e a encontrada 0%. Para escore >6, a mortalidade prevista foi de 3,15% e a encontrada 7,94%. As discrepâncias entre as porcentagens observadas e previstas não foram estatisticamente significantes (p = 0,213). O valor-p do teste de Hosmer-Lemeshow foi igual a < 0,001, indicando um ajuste ruim ou má calibração do modelo para o número de indivíduos na amostra atual. Conclusão: O EuroSCORE é um modelo preditor simples e objetivo de mortalidade operatória. Entretanto, para validação da análise de regressão logística, são necessárias centenas de indivíduos, o que limita a universalização de sua aplicabilidade.

ABSTRACT

Objective: The aim of this study was to assess the performance of the European Risk System in Cardiac Operations (EuroSCORE) model to predict mortality in patients undergoing myocardial revascularization at the Division of Cardiovascular Surgery of Santa Casa de São Paulo Medical School. Methods: From May 2005 to November 2006, 100 consecutive patients undergoing coronary artery bypass surgery were retrospectively analyzed. The records of these patients were reviewed in order to retrieve those variables included in the EuroSCORE risk scoring method. The correlation of predicted and observed mortality was compared. Statistical analysis was performed using chi-square test for univariate analysis and Hosmer-Lemeshow Test for logistic regression model. Results: Hospital mortality was 5%. For EuroSCORE univariate analysis, findings were as follows: score 0-2 predicted mortality 0.40%, observed 0.00%; score 3-5 predicted mortality 1.45%, observed 0.00%; score greater than 6 predicted mortality 3.15%, observed 7.94%. Although these differences, p-value was 0.213 with no statistical significance. The p-value for the Hosmer-Lemeshow Test was < 0.001 indicating poor calibration of the model for this sample. Conclusion: The EuroSCORE model is a simple, objective system to estimate hospital mortality. However, to validate the logistic regression analysis, it is necessary hundreds of patients, which limit its widespread application.
INTRODUÇÃO

A diversificação nas possibilidades de tratamento da doença isquêmica do coração, o aperfeiçoamento nas estratégias operatórias e os freqüentes avanços nas áreas da tecnologia aplicada à medicina propiciaram uma mudança no perfil do paciente submetido a cirurgia de revascularização do miocárdio. Além disso, com o envelhecimento da população, um contingente considerável de indivíduos idosos é encaminhado para tratamento cirúrgico [1-3]. Dessa forma, esta alternativa terapêutica tem sido oferecida a um número cada vez mais abrangente de pacientes.

O índice de mortalidade é habitualmente aplicado como indicador de qualidade de serviços médicos [4]. Muitas vezes, este indicador é utilizado de maneira generalizada, sem que se conheça o perfil exato da população estudada. Numa tentativa de melhor estratificar os riscos de mortalidade em cirurgia cardíaca, modelos de análise foram desenvolvidos com a finalidade de caracterizar melhor os fatores que influenciam os resultados. O Sistema Europeu para Avaliação de Risco em Cirurgia Cardíaca (EuroSCORE) é um deles [4-6]. Este modelo, com análise estatística univariada e por regressão logística, demonstrou acurácia mesmo quando aplicado a populações não-européias [7-9]. Baseado em dados coletados em 128 centros de oito países europeus, este sistema avaliou 68 fatores de risco pré-operatórios e 29 operatórios que poderiam influenciar a mortalidade hospitalar. Identificou 17 fatores de risco reais e, para cada um deles, numa análise univariada, atribuiu um escore, classificando os pacientes em três grupos de acordo com o risco obtido (baixo, médio ou alto). Na análise por regressão logística é atribuído um peso a estes mesmos fatores. É um modelo de fácil manuseio, acessível via web, o que vem popularizando o seu uso.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil clínico atual do paciente submetido a revascularização do miocárdio na Disciplina de Cirurgia Cardíaca da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, verificar o risco de mortalidade esperada neste grupo de doentes, por meio da aplicação do EuroSCORE, e confrontá-lo com a mortalidade observada em tal amostra.


MÉTODOS

A base para realização da pesquisa consistiu na análise retrospectiva de dados. Num período de dezoito meses, compreendido entre maio de 2005 e novembro de 2006, 553 pacientes foram submetidos a cirurgia cardíaca no Hospital Central da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Dentre estes, 103 foram submetidos a revascularização do miocárdio. Selecionamos nesta amostra 100 pacientes cujos prontuários continham todas as informações necessárias para análise dos critérios de risco de mortalidade operatória de acordo com os 17 itens apontados pelo EuroSCORE (Tabela 1), excluindo do estudo aqueles pacientes cujas informações encontravam-se incompletas. Na Tabela 2, apresentamos as características dos nossos pacientes, utilizadas para classificação nos respectivos grupos de risco. Comparamos as taxas de mortalidade esperadas pela aplicação do EuroSCORE na amostra selecionada, com as que observamos em nosso estudo. O tratamento estatístico da amostra foi feito através do teste qui-quadrado para a análise univariada e o teste de Hosmer-Lemeshow para calibração e ajuste do modelo de regressão logística do EuroSCORE à amostra. Foram asseguradas a privacidade e a confidencialidade dos dados obtidos por meio de prontuários médicos, utilizando-os exclusivamente para a presente pesquisa, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob protocolo número 011/08.




RESULTADOS

Dos 100 pacientes estudados, 60 eram do sexo masculino. A idade variou de 26 a 89 anos, média 61,3 anos (dp = 11,7) sendo que 45% tinham idade igual ou superior a 65 anos. Setenta e seis doentes eram portadores de hipertensão arterial sistêmica, 47 de dislipidemia, 40 tabagistas, 34 diabéticos e 14 obesos (Índice de Massa Corpórea > 35) e apenas quatro afirmavam conhecimento de doença coronariana na família. Trinta pacientes foram operados eletivamente e 70, por apresentarem angina instável, angina pós-infarto ou lesões coronarianas críticas, foram submetidos a cirurgia em caráter de urgência. Dezoito eram portadores de lesão de tronco da artéria coronária esquerda.

Na Tabela 2, podemos observar a prevalência de fatores de risco nas casuísticas deste estudo e no estudo EuroSCORE. Oito pacientes foram considerados de baixo risco (escore 0-2), 29 de médio (escore 3-5) e 63 de alto risco (escore>6). Cinqüenta e quatro pacientes foram operados com circulação extracorpórea (CEC) e 46 sem CEC. Destes, 25 foram classificados como pacientes de alto risco. A mortalidade hospitalar foi de 5% observada exclusivamente no grupo de alto risco e operados com CEC.




A Tabela 3 apresenta a mortalidade prevista e observada, de acordo com os grupos definidos pelo teste de Hosmer-Lemeshow. O valor-p por este teste foi igual a < 0,001 indicando um ajuste ruim ou uma má calibração do modelo para o número de indivíduos na amostra atual, apesar da acurácia, estimada pela estatística-c do modelo logístico, ter sido bastante elevada (94,7%). Na Tabela 4, verificamos que pelo teste qui-quadrado, na análise univariada, as porcentagens de óbitos previstos e observados não foram estatisticamente significantes (p=0,213).






DISCUSSÃO

O perfil clínico atual do paciente submetido a cirurgia cardíaca coloca em questão o índice de mortalidade operatória ou hospitalar como indicador fidedigno e suficiente para a avaliação da qualidade de serviços. Sem que se faça um ajuste, levando em consideração fatores de risco associados, as conclusões poderão ser equivocadas, principalmente quando aplicadas a uma especialidade onde sabidamente os pacientes mais graves são os que mais se beneficiam com o tratamento cirúrgico, comparado ao tratamento clínico conservador [5,10,11].

Diferentes sistemas para estratificação de riscos têm sido utilizados nas duas últimas décadas, com a finalidade de: predizer mortalidade, avaliar tendências terapêuticas e analisar custos-benefícios [5,12]. Além disso, a aplicação de um sistema de escore possibilita informação a pacientes e familiares, a respeito do risco a que o paciente em sua individualidade irá submeter-se. Este recurso pode ser uma ferramenta facilitadora na comunicação e na compreensão dos esclarecimentos sobre riscos.

Dentre os diferentes estudos para estratificação de risco de mortalidade operatória, o EuroSCORE tem demonstrado boa acurácia, mesmo quando aplicado a populações não-européias [7-9]. É de fácil execução à beira do leito e permite análise bastante apropriada dos resultados, especialmente na cirurgia de coronárias.

Aplicamos o EuroSCORE de forma retrospectiva na avaliação da mortalidade operatória em 100 pacientes consecutivos operados na Santa Casa de São Paulo, um hospital terciário que apresenta como uma de suas principais características atendimento a um grande número de urgências e emergências por meio de seu Pronto Socorro Central. A média de atendimentos mensais é de aproximadamente 12.000 pacientes. Como conseqüência desta característica, 70% dos pacientes de nossa casuística originaram-se da Unidade de Emergência, apresentavam quadro clínico de angina instável, angina pós-infarto ou lesões coronarianas graves, e foram submetidos à cirurgia em caráter de urgência, uma diferença acentuada quando comparada aos pacientes arrolados no EuroSCORE.

Observamos uma concentração de fatores de risco relacionados ao paciente, como doença pulmonar crônica, disfunção neurológica, disfunção renal e estado crítico pré-operatório; e também relacionados ao coração, como angina instável, disfunção ventricular com fração de ejeção < 30% e incidência de 48% de infarto recente do miocárdio.

A mortalidade operatória global foi de 5% exclusivamente no grupo de alto risco. Particularizando a análise, verificamos que isto corresponde à mortalidade de 7,94% para este grupo, maior que a prevista pelo EuroSCORE. Nos grupos de baixo e médio risco não houve mortalidade, também diferente do previsto pelo EuroSCORE. Outros autores verificaram resultados semelhantes, onde pacientes com baixo risco tiveram mortalidade superestimada e os de alto risco, subestimada [13,14].

Com relação à mortalidade subestimada, esta diferença, no presente estudo, talvez possa ser atribuída à característica do nosso serviço, marcadamente por atendimento a emergências. Isto pode significar viés na aplicação deste escore de risco em instituições com esta característica. Não há, até o presente momento, relatos na literatura com a aplicação do EuroSCORE em populações com predominância de atendimentos emergenciais que possam ser comparados aos resultados que observamos. Mesmo assim, as discrepâncias entre as porcentagens de óbitos observados e previstos pela análise univariada não foram estatisticamente significantes (Tabela 4).

Outra característica de nosso serviço, esta de impacto positivo, é a experiência com a revascularização do miocárdio sem o uso da CEC. Não houve óbito entre os pacientes operados sem CEC. Conforme já relatado por Calafiore et al. [15], esta estratégia cirúrgica, principalmente nos pacientes de alto risco, contribui na redução de mortalidade operatória.

Aplicamos o teste de Hosmer-Lemeshow e verificamos que apesar da boa acurácia (94,7%), obtivemos um valor p<0,001, indicativo de má calibração da amostra para a análise de regressão logística. Seria necessário um número maior de indivíduos, centenas, para um melhor ajuste na aplicabilidade deste teste. Há, portanto, uma limitação na aplicação deste escore de risco em sua análise de regressão logística, pois muitos serviços não disponibilizam estes números isoladamente. No trabalho original [5], por exemplo, a Alemanha contribuiu com 4.779 pacientes provenientes de 23 centros (média de 207 pacientes por centro), e a Espanha com 2.444 vindos de 25 centros (média de 97 pacientes por centro), enquanto que a amostra da Suíça contabilizou 111 pacientes em um único centro, semelhante ao número de nosso estudo. A média de pacientes arrolados, no trabalho original, foi de 148 pacientes por centro. Aquém do necessário para, isoladamente, validar a análise de regressão logística.


CONCLUSÃO

O EuroSCORE é um modelo preditor simples e objetivo de mortalidade operatória. Entretanto, para a validação da análise de regressão logística são necessárias centenas de indivíduos, o que limita a universalização de sua aplicabilidade quando não se disponibilizam destes números.


REFERÊNCIAS


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Article receive on quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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