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ARTIGO ORIGINAL

Estratégias para redução do uso de hemoderivados em cirurgia cardiovascular

Helmgton José Brito de SOUZAI; Rilson Fraga MOITINHOI

DOI: 10.1590/S0102-76382008000100010

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste estudo é avaliar as estratégias adotadas por nossa equipe para reduzir o uso de hemoderivados em pacientes submetidos a cirurgia cardiovascular. Métodos: Entre outubro de 2005 e janeiro de 2007, foram operados 101 pacientes. Destes, 51 (50,5%) eram do sexo masculino e 50 (49,5%) do feminino. A idade variou de 13 a 80 anos (média de 50,76 anos). A estratégia utilizada consiste em uso de antifibrinolíticos, hemodiluição normovolêmica e reposição total do perfusato. Resultados: A média de utilização de hemoderivados por paciente foi de 1,45 UI de CH; 0,75 UI de PF; 0,89 UI de crioprecipitados e 1,43 UI de plaquetas. Em 59 (58,4%) pacientes, não foram usados hemoderivados e somente 12 (11,9%) pacientes necessitaram mais de quatro UI de CH. Dentre os 27 (26,7%) pacientes cujo tempo de circulação extracorpórea (CEC) excedeu os 120 minutos, 17 (63%) necessitaram de hemotransfusão. Apenas três (2,97%) pacientes desenvolveram coagulopatia, sendo dois (1,98%) reoperados por sangramento. Dos três pacientes que desenvolveram coagulopatia, dois pertenciam ao subgrupo de idosos. Conclusão: Na série apresentada, as medidas adotadas conseguiram reduzir a necessidade de hemotransfusão no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Pacientes com tempo de CEC maior que 120 minutos tenderam a necessitar de hemotransfusão. A associação de cirurgia em pacientes idosos e tempo de CEC superior a 120 minutos resultou em maior utilização de sangue e hemoderivados no período pós-operatório.

ABSTRACT

Objective: The aim of this study is to evaluate the strategies adopted by our team to reduce the use of bloods components in patients undergoing cardiovascular surgical procedures. Methods: Between October 2005 and January 2007, 101 patients were operated. Fifty-one (50.5%) were male and 50 (49.5%) female. Patients' age ranged from 13 to 80 years (mean of 50.76 years). The strategy consisted in using antifibrinolytics and normovolemic hemodilution, and reinfusion of all the blood remaining in the CPB circuit. Results: Mean use of blood components was 1.45 UI, red blood cells; 0.75 UI, fresh frozen plasma; 0.89 UI, cryoprecipitate, and 1.43 UI, platelet. Fifty-nine patients (58.4%) had not used blood components and 12 (11.9%) patients used more than 4 UI of red blood cells. In 27 patients (26.7%) whose CPB time was higher than 120 minutes, 17 (63%) needed hemotransfusion. However, 3 (2.97%) developed coagulopathy and 2 (1.98%) needed reoperation due to bleeding. Of the three patients who developed coagulopathy, two were in the elderly subgroup. Conclusion: In the presented series, the measures adopted succeeded in reducing the need of hemotransfusion in the postoperative period of thoracic surgery. Patients with CPB time higher than 120 minutes tended to need hemotransfusion. The association of surgery in elderly patients and CPB time over 120 minutes resulted in significantly greater use of blood components postoperatively.
INTRODUÇÃO

A transfusão de sangue está relacionada com ocorrência de reação transfusional, transmissão de infecção, aumento de morbidade e mortalidade pós-operatória, risco de imunossupressão e do custo de internação hospitalar [1,2]. O uso de hemoderivados é um fator de risco independente de infecção pós-operatória [3]. A utilização de circulação extracorpórea (CEC) pode aumentar o sangramento pós-operatório [4], contribuindo para a necessidade de hemoderivados. Já as cirurgias sem CEC estão relacionadas a redução significativa de sangramento intra e pós-operatório e, conseqüentemente, com a necessidade de hemotransfusão [5].

Diversas são as causas que expõem os pacientes a desenvolverem maior sangramento. Dentre os fatores preditores de necessidade de hemotransfusão podemos relacionar: 1. cirurgia de urgência; 2. choque cardiogênico; 3. baixo IMC (Índice de Massa Corpórea); 4. disfunção grave de ventrículo esquerdo (FE<30%); 5. idade superior a 74 anos; 6. sexo feminino; 7. hematócrito e hemoglobina baixos no pré-operatório; 8. co-morbidades como diabetes melito dependente de insulina e doença vascular periférica; 9. creatinina > 1,8mg/dl; albumina < 4g/dl; 10. reoperações; 11. TP baixo no pré-operatório; 12. tempo de CEC.

Neste contexto, a CEC tem sido apontada como uma importante potencializadora para a ocorrência de sangramento no pós-operatório a partir do aumento no consumo de fatores de coagulação, hemodiluição, hipotermia e, principalmente, em decorrência da resposta inflamatória [6].

Diversas estratégias têm sido propostas com o objetivo de reduzir o sangramento pós-operatório e, conseqüentemente, minimizar a necessidade de utilização de sangue e hemoderivados. Estas estratégias compreendem: 1. O preparo pré-operatório, a partir da administração de eritopoietina ou ferro, semanas antes da cirurgia cardíaca [7,8], e a coleta de sangue autólogo antes do procedimento cirúrgico [9]; 2. Estratégias adotadas durante a cirurgia cardíaca, como a redução do volume do prime e utilização de equipamentos como hemoconcentradores [8], cell saving [10,11] e BioPump [12], hipotermia moderada (30-32ºC) [8], reinfusão de todo o sangue do circuito de CEC [13] e uso de antifibrinolíticos, como aprotinina, ácido tranexâmico e ácido épsilon aminocapróico [14-24], bem como reinfusão do sangue coletado pela drenagem do mediastino nas primeiras seis horas de pós-operatório [13].

Finalmente, admite-se que, apesar das condutas preconizadas, o principal fator para redução do uso excessivo de hemoderivados possa ser a adoção de rotinas criteriosas e parametrizadas por parte das equipes cirúrgicas [2].

O objetivo do presente estudo é avaliar o conjunto de medidas adotadas por nossa equipe na tentativa de reduzir a necessidade do uso de sangue e hemoderivados a partir da diminuição dos eventos hemorrágicos, com conseqüente redução da morbidade e mortalidade e dos seus elevados custos.


MÉTODOS

Entre outubro de 2005 e janeiro de 2007, foram operados, eletiva e consecutivamente, 101 pacientes com uso de CEC. Destes, 51 eram do sexo masculino e 50, do feminino. A idade variou de 13 a 80 anos (média de 50,76 anos). Todas as cirurgias foram primárias e os dados foram obtidos a partir de revisão dos prontuários dos pacientes.

As cirurgias realizadas estão demonstradas na Tabela 1.




Os parâmetros hematológicos no pré-operatório incluíram hemoglobina (Hb), hematócrito (Ht), tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), relação normalizada internacional (RNI), plaquetas e fibrinogênio. Não houve suspensão do ácido acetilsalicílico (aspirina) nos dias que antecederam à operação.

Rotina cirúrgica

Todos os pacientes operados foram monitorizados conforme rotina do serviço (cardioscopia de seis canais, pressão arterial média (PAM), acessos periférico e central, sondagem vesical e nasogástrica). Antibioticoprofilaxia com cefalosporina de 1ª ou 2ª geração, pulso de corticóide e anestesia geral com extubação em unidade de terapia intensiva especializada integram esta rotina. Em todas as cirurgias, a via de acesso foi mediana. Foi utilizada bomba centrífuga (BioPump). A cardioplegia foi sangüínea, isotérmica, com administração intermitente por punção aórtica ou diretamente nos óstios coronarianos. Antes de iniciar a CEC, foi administrado 4mg/kg de heparina, sendo a antagonização desta dose realizada com sulfato de protamina na relação 1:1 após a CEC. Durante a CEC, manteve-se hipotermia moderada (30 a 32ºC). Todos os pacientes foram levados à UTI com fio de marca-passo epimiocárdico temporário e com dreno de mediastino e tórax (quando havia abertura de uma ou ambas as pleuras).

Estratégias utilizadas

1. Antifibrinolítico


Os pacientes submetidos a revascularização do miocárdio com CEC, com ou sem procedimentos associados, receberam a dose de 900mg de ácido épsilon aminocapróico na primeira hora, a partir da indução anestésica, e de 450mg nas horas subseqüentes até que fossem completadas 24 horas de cirurgia. Os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio sem CEC não receberam antifibrinolíticos. Já os demais pacientes receberam a dose de 70mg/kg de ácido tranexâmico administrado em bolus na indução anestésica.

2. Hemodiluição normovolêmica

A hemodiluição normovolêmica consiste na minimização do volume do prime, redução da extensão dos tubos da CEC e da utilização de aminas vasoativas (adrenalina e noradrenalina) para auxiliar na manutenção dos níveis pressóricos estáveis durante a CEC. O perfusato é composto de 500ml de solução fisiologia a 0,9% e 250ml de manitol a 20%. Deste volume, apenas 20 a 25 ml permanecem no reservatório do oxigenador de membrana. Antes de iniciar a CEC, é induzida leve hipertensão arterial (PAM de 110 mmHg) com o auxílio de solução de adrenalina (adrenalina- 5mg diluídos em 250ml de SG 5%). Neste momento, é aberto o circuito venoso para drenagem do sangue das veias cavas. Ao atingir a PAM de 60 mmHg, inicia-se a infusão de sangue pelo circuito arterial. Durante toda a CEC, a pressão arterial é mantida dentro dos parâmetros normais (PAM: 90 a 100 mmHg), se necessário com a administração de solução de adrenalina ou noradrenalina.

Durante a CEC, admite-se o uso de concentrado de hemácias, caso o hematócrito caia abaixo de 20%. O uso de plasma fresco no perfusato está limitado às situações em que haja hipoprotrombinemia pré-operatória (TP < 60%) não responsiva às medidas instituídas para normalização deste parâmetro na fase de preparo para a cirurgia. Após o despinçamento aórtico, são administrados 20ml de gluconato de cálcio a 10% e 10ml de sulfato de magnésio a 10%.

3. Reposição total do perfusato

Ao término da CEC, todo o sangue contido no circuito de CEC é devolvido pela cânula arterial. Se necessário, administra-se solução de nitroprussiato de sódio para auxiliar esta infusão. Somente após a reposição total do volume do perfusato inicia-se a antagonização da heparina (protamina na proporção 1:1).

4. Critérios para administração de hemoderivados

Após a reposição total do sangue do circuito de CEC, são dosados os níveis de hematócrito e hemoglobina. Admite-se administração de concentrado de hemácias apenas se estes valores estiverem abaixo de 25% e 8g/dl, respectivamente. Este mesmo parâmetro é adotado no período em que o paciente estiver internado nas unidades de terapia intensiva e internação. Do mesmo modo, admite-se a administração de plasma fresco caso haja comprometimento do tempo de protrombina com manutenção de sangramento em volume superior ao aceitável (conforme critérios de reintervenção). Crioprecipitados e plaquetas são administrados caso haja diminuição excessiva de fibrinogênio e plaquetas, respectivamente, desde que haja sangramento persistente.

5. Critérios para reintervenção

Adotamos os parâmetros consagrados na literatura mundial. Assim, indicamos a reintervenção cirúrgica em todo o paciente com perda de sangue persistente pelo(s) dreno(s) em média de 3 ml/kg/h (cerca de 200ml/hora num paciente de 70kg) nas primeiras duas horas de pós-operatório. A partir da terceira hora, caso esta perda permaneça contínua em média de 1,5 ml/kg/h (cerca de 100ml/hora num paciente de 70kg) também está indicada a reexploração. Casos em que ocorre sangramento limítrofe, mas que evoluem com evidência de tamponamento cardíaco (diagnóstico clínico confirmado por ecocardiografia), também são reabordados cirurgicamente para a retirada de coágulos da cavidade pericárdica e nova revisão da hemostasia.


RESULTADOS

Nas 101 cirurgias realizadas, o tempo de CEC variou de 15 a 209 minutos (média de 99,3 minutos). Destes, 27 (26,7%) pacientes tiveram tempo de CEC acima dos 120 minutos.

O hematócrito inicial variou de 30% a 52% (média de 40,8%), enquanto o hematócrito final variou de 23,4% a 45% (média de 31,5%), sendo que 66 (65,3%) pacientes ao término do procedimento cirúrgico tinham o Ht superior a 30% (Figura 1).


Fig. 1 - Hematócrito pré e pós-operatório



A média de utilização de hemoderivados na série estudada foi de 1,45 UI de CH/paciente; 0,75 UI de PF/paciente; 0,89 UI de crioprecipitados/paciente e 1,43 UI de plaquetas/paciente. Em 59 (58,4%) pacientes não houve a necessidade de utilização de sangue ou hemoderivados e somente em 12 (11,9%) deles ultrapassou o limite de quatro unidades de concentrado de hemácias. Oitenta e um (80,2%) pacientes não utilizaram plasma fresco e apenas oito (7,9%) fizeram uso de crioprecipitados e nove pacientes (8,9%) de concentrado de plaquetas (Figura 2 e Tabela 2).


Fig. 2 - Média de utilização de hemoderivados




Dos 27 (26,7%) pacientes cujo tempo de CEC excedeu os 120 minutos, 17 (63%) necessitaram de hemotransfusão. Dos 101 pacientes, apenas três (2,97%) desenvolveram coagulopatia, dos quais dois (1,98%) foram submetidos a reexploração cirúrgica por sangramento. Todos estes com tempo de CEC superior a 120 minutos. Dos 74 (73,3%) pacientes com tempo de CEC inferior a 120 minutos, 50 (67,6%) não necessitaram de hemotransfusão e somente três (4%) foram transfundidos com quatro ou cinco UI de CH, sendo que nenhum paciente utilizou quantidade maior de concentrado de hemácias.

Dos 101 casos, 26 (25,7%) correspondem a pacientes idosos (idade igual ou superior a 65 anos). Destes, oito (30,8%) pacientes não necessitaram usar hemoderivados e 10 (38,4%) usaram até 3 UI de concentrado de hemácias. Oito (30,8%) pacientes fizeram uso de quantidade superior a 4 UI de concentrado de hemácias. Por outro lado, dos três pacientes que desenvolveram coagulopatia, dois pertenciam a este subgrupo.

Outras complicações ocorridas foram: infarto agudo do miocárdio (IAM) em quatro (3,9%) pacientes; insuficiência renal aguda (IRA) em quatro (3,9%); sepse em oito (7,9%), sendo dois (1,98%) destes secundários a mediastinite, um dos quais resultando em óbito e os outros seis decorrentes de infecção respiratória ou do trato urinário; SIRS em dois (1,9%), sendo que um se manifestou por coagulopatia (ambos os casos resultaram em óbito); acidente vascular cerebral (AVC) em um (0,99%); infecção de ferida cirúrgica em um (0,99%) e crise de hipertensão pulmonar em um (0,99%), que também evoluiu com óbito. Dois (1,9%) pacientes morreram por etiologia cardiogênica (IAM).


DISCUSSÃO

Podemos dividir a estratégia para redução de hemoderivados em cirurgia cardíaca em alguns subgrupos, que serão discutidos a seguir.

1. Estratégias pré-operatórias

O preparo criterioso do paciente no pré-operatório é um instrumento importante na tentativa de reduzir o sangramento pós-operatório e a necessidade de hemotransfusão. Fatores relacionados a maior necessidade de uso de hemoderivados incluem: pacientes idosos, sexo feminino, classe funcional elevada (New York Heart Association), Ht baixo, reoperação e tempo de CEC elevado [3]. Precauções como criteriosa investigação de história familiar de sangramento e adequada avaliação laboratorial (dosagem de TP, TTPA, plaquetas, TT, TS e fibrinogênio) contribuem para prevenir a ocorrência de sangramento durante a CEC [19].

Está demonstrado que a coleta de sangue autólogo antes do procedimento cirúrgico reduz a necessidade de transfusão [9]. Trata-se de um procedimento simples que pode ser realizado, preferencialmente, pelo menos 10 dias antes da cirurgia ou mesmo após a abertura torácica com drenagem direta por punção atrial direita.

A administração de eritropoietina, duas a três semanas antes da cirurgia cardíaca, está relacionada com redução significativa da necessidade de hemotransfusão [7]. A eritropoietina é usada com o objetivo de aumentar a quantidade de hemácias e possui como efeito colateral o aumento da pressão sistólica. O custo elevado restringe o uso rotineiro desta droga [2]. Pacientes que, por motivação religiosa, rejeitam a utilização de hemoderivados ou possuam níveis acentuadamente baixos dos parâmetros hematimétricos podem se beneficiar do uso desta medicação. Apesar disso, limitamos o seu uso para casos específicos. A dosagem de ferro sérico e administração de ferro por via oral constituem em rotina pré-operatória em alguns serviços [8].

No presente estudo, não nos preocupamos em suspender o uso de ácido acetilsalicílico no pré-operatório, principalmente quando se tratava de cirurgia de revascularização do miocárdio. Alguns estudos mostram que o uso de aspirina no pré-operatório não aumenta a necessidade de hemotransfusão em cirurgias eletivas ou mesmo em reoperações [20].

2. Estratégias intra-operatórias

2.1- Uso de antifibrinolíticos:
O uso de antifibrinolítico atenua a resposta inflamatória sistêmica em pacientes submetidos a CEC [16], contribuindo para a redução de sangramento no pós-operatório [17,18]. Os antifibrinolíticos, isoladamente [15], ou associados a hemoconcentração e reinfusão de todo o sangue do circuito de CEC, bem como do sangue drenado no pós-operatório imediato, reduzem a necessidade de uso de hemoderivados no pós-operatório de cirurgia cardíaca [15]. Aprotinina em baixas doses, ácido épsilon aminocapróico e ácido tranexâmico, quando administrados em pacientes que serão submetidos a revascularização do miocárdio em uso de aspirina, reduzem a necessidade do uso de hemoderivados e o sangramento pós-operatório [14]. Apesar disso, o uso de aprotinina está relacionado a efeitos colaterais [21], principalmente em pacientes submetidos a revascularização do miocárdio. Por esta razão, optamos por limitar o uso desta droga aos casos de reoperação. Neste contexto, reservamos o ácido épsilon aminocapróico para os casos de revascularização miocárdica e o ácido tranexâmico para as demais cirurgias. Optamos por não utilizar nenhum dos antifibrinolíticos.

2.2- Hemodiluição normovolêmica: A redução do volume do prime varia em diferentes estudos. Alguns deles demonstram que o volume de 1.000 ml de solução cristalóide é eficaz na estratégia de minimizar a hemodiluição [8]. No protocolo seguido em nosso serviço, optamos por um prime ainda mais reduzido de 750 ml de cristalóide, com resultados satisfatórios. Do mesmo modo, a reinfusão de todo o sangue do circuito de CEC, bem como do sangue coletado pela drenagem do mediastino nas primeiras seis horas de pós-operatório demonstram redução significativa da necessidade de sangue e hemoderivados, bem como da morbidade e da mortalidade [8,12]. Esta estratégia requer, algumas vezes, a associação de drogas vasodilatadoras, como o nitroprussiato de sódio, para acomodar todo o volume residual.

Até o presente momento, não utilizamos os sistemas de reinfusão do sangue coletado pelo dreno de mediastino, pois, na maioria das vezes, este sangramento pós-operatório tem sido bastante reduzido. Recentemente, o conceito da mini CEC (redução do prime, do circuito de tubos e drenagem a vácuo) tem demonstrado, principalmente em cirurgias de revascularização miocárdica, redução dos efeitos negativos da CEC convencional, aí incluída a utilização de hemoderivados [25].

2.3- Dispositivos e equipamentos: O uso de bombas centrifugas (Bio Pump) possibilita a redução do uso excessivo de heparina [11], reduzindo o sangramento intra e pós-operatório. Também o uso de hemoconcentradores está relacionado à redução do sangramento pós-operatório [8]. A efetividade do uso do cell saving é controversa. Alguns estudos demonstram benefício e redução da necessidade de hemotransfusão [10], enquanto outros não encontraram benefício significativo [22]. O elevado custo e os resultados duvidosos sugerem que o uso do cell saving possa não ser custo-efetivo [23]. Alguns estudos reservam o uso do cell saving para cirurgias da aorta ou em reoperações [8]. Na nossa experiência, conseguimos obter bons resultados apenas com a utilização das bombas centrífugas, limitando assim o custo acentuado destes dispositivos.

2.4 - Hipotermia: A manutenção da temperatura durante a CEC entre 30 e 32ºC (hipotermia moderada) está relacionada com redução do sangramento intra e pós-operatório [8]. Na casuística apresentada, adotamos esta rotina, com resultados satisfatórios.

Alguns fatores que favorecem a ocorrência de sangramento durante a CEC são a hiperheparinemia, o efeito rebote da heparina e o uso excessivo de protamina [19]. Deste modo, a verificação, durante e imediatamente após a CEC, do tempo de coagulação ativado (TCA) pode ser uma ferramenta importante de avaliação destes parâmetros.

Apesar de já ter sido descrito que um hematócrito de 15% pode ser bem tolerado após uma revascularização do miocárdio sem que haja seqüelas [24], acreditamos que estes índices aumentam a morbidade e a mortalidade pós-operatória. Sendo assim, podemos afirmar que as estratégias aplicadas conseguiram conter o uso de sangue e hemoderivados. O conjunto de medidas adotadas e as outras relatadas na literatura mundial são, atualmente, suficientes para orientar e permitir a seleção daquelas que podem contribuir para a redução das transfusões intra e pós-operatórias. Neste sentido, reforçamos a idéia de que as equipes cirúrgicas devam se conscientizar e reeducar-se visando limitar o uso de hemoderivados aos casos extremamente necessários, a partir da adoção de rotinas e parâmetros rígidos, mas facilmente reprodutíveis, sem, necessariamente, aumentar o custo dos procedimentos.


CONCLUSÕES

Na série apresentada, as medidas adotadas conseguiram reduzir substancialmente a necessidade de utilização de sangue e hemoderivados em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. O resultado apresentado no subgrupo de pacientes com tempo de CEC acima de 120 minutos demonstra a tendência a maior necessidade de hemotransfusão, se comparados com aqueles com menor tempo de CEC. Já em relação à idade dos pacientes, não se verificou associação importante entre necessidade de hemotransfusão e cirurgia em paciente idoso. Entretanto, a associação de cirurgia em pacientes idosos e tempo de CEC superior a 120 minutos resultaram em maior utilização de sangue e hemoderivados no pós-operatório.


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Article receive on sexta-feira, 3 de agosto de 2007

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