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RELATO DE CASO

Tratamento híbrido com endoprótese não recoberta nas dissecções agudas da aorta tipo A

Ricardo Ribeiro DiasI; Isaac Azevedo SILVAII; Alfredo Inácio FiorelliIII; Noedir A. G StolfIV

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400018

RESUMO

O tratamento da dissecção aguda da aorta tipo A de Stanford, com a utilização de um novo dispositivo (stent de aorta não recoberto) em associação à interposição de tubo supracoronariano para a substituição da aorta ascendente e hemiarco permitem que o arco aórtico e porção da aorta descendente sejam tratados, sem acrescentar complexidade ao procedimento operatório, nem prolongar o tempo de isquemia cerebral ou sistêmica.

ABSTRACT

The new surgical strategy to treat patients with acute type A aortic dissection, the hybrid procedure with an uncovered aortic stent, allows surgeons to treat the aortic arch and the proximal descending aorta, besides the ascending segment, without extension of cerebral or systemic ischemia.
INTRODUÇÃO

A dissecção aguda da aorta do tipo A de Stanford é doença cuja mortalidade imediata é elevada, o tratamento cirúrgico deve ser imediato e a sobrevida tardia não é isenta de complicações (principalmente pela elevada persistência da falsa luz pérvia nos segmentos do arco aórtico, aorta descendente e abdominal).

A necessidade do tratamento cirúrgico imediatamente após o diagnóstico visa à prevenção de suas complicações fatais, tais como o tamponamento cardíaco secundário à ruptura da aorta, o infarto agudo do miocárdio, a insuficiência aórtica sintomática, complicações neurológicas entre outras e tem dramático impacto sobre a mortalidade.

A operação tradicionalmente proposta é a interposição de tubo supracoronariano, cuja mortalidade hospitalar é variada, oscilando entre 10% e 30% [1]. É interessante notar que a correção cirúrgica se limita, na grande maioria dos casos, à aorta ascendente. O arco e a aorta tóraco-abdominal, freqüentemente acometidos, permanecem com sua luz delaminada, o que resulta em risco de até 40% de dilatações significativas nestes segmentos, em período de 5 anos de seguimento. Ergin et al. [2] demonstraram melhor sobrevida em pacientes cuja falsa luz ficou completamente trombosada após a correção da aorta ascendente.

A abordagem do arco aórtico e da aorta descendente como extensão do procedimento convencional, proposto por alguns grupos, torna o procedimento muito mais complexo, não sendo, portanto, aceito como conduta a ser seguida pela maioria dos grupos, apesar do reconhecido benefício que traria aos pacientes se pudesse ser realizada sem acrescentar risco ao paciente.

A terapêutica endovascular com stent recoberto é uma alternativa à substituição convencional do arco aórtico e de parte da aorta descendente, porém exige a confecção de enxerto extra-anatômico para os vasos da base, conforme demonstrado por Sorokin et al. [3] e estudos que comprovem a longevidade dessa operação precisam ainda ser apresentados.

A partir do reconhecimento de que dissecções acidentais das artérias coronárias durante os procedimentos percutâneos para a dilatação de lesões obstrutivas são tratadas com stents não recobertos, por que não fazer o mesmo com as aortas dissecadas? Baseado neste princípio, modelos animais de dissecção aguda da aorta foram também tratados com stents não recobertos e observou-se que, com a compressão da falsa luz, com a reaproximação das camadas da aorta delaminadas pela dilatação de um suporte interno (stent de aorta não recoberto) ocorreu a cicatrização da aorta [4]. Esta estratégia consistiu na oclusão da delaminação do vaso por compressão extrínseca das camadas da aorta, promovendo suporte à cicatrização e conseqüente prevenção à dilatação da aorta sem, contudo, ocluir seus ramos.

A partir destes pressupostos é possível vislumbrar uma terapêutica mais completa para o tratamento das dissecções de aorta tipo A de Stanford, na qual a porção ascendente da aorta é substituída pela técnica convencional e o arco e a porção proximal da aorta descendente são tratados com o stent não recoberto. Desse modo, o remanescente da aorta recebe suporte para cicatrização, ao mesmo tempo em que mantém pérvios seus ramos. Surge, então, uma nova perspectiva de tratamento híbrido com a substituição da aorta ascendente e colocação de stent não recoberto no arco e aorta descendente.

O objetivo desse relato é descrever a experiência com esse dispositivo que permitiu, por meio da abordagem convencional, o tratamento de extenso segmento da aorta, sem o aumento da complexidade do procedimento.


RELATO DO CASO

Paciente de 37 anos, sexo masculino, deu entrada em Unidade de Emergência com quadro de dor torácica em pontada, de forte intensidade, iniciada há 4 horas, com caráter migratório. Ao exame físico, apresentava estabilidade hemodinâmica, sem sinais de isquemia central ou periférica, nem insuficiência aórtica. O ecocardiograma transesofágico demonstrou dissecção aguda da aorta tipo A de Stanford. A angiotomografia confirmou o diagnóstico (Figuras 1A e 1B) e o paciente foi encaminhado à operação.


Fig. 1 - Angiotomografia de aorta ilustrando a delaminação do vaso, caracterizando a dissecção da aorta como tipo A de Stanford. A - Aorta ascendente dissecada com grande dilatação. B - Arco aórtico delaminado com diâmetro pouco aumentado



A operação foi realizada com a circulação extracorpórea, com linha arterial pela inserção de tubo de Dacron em artéria subclávia direita [5] e cava única. A proteção miocárdica foi realizada com solução cardioplégica anterógrada intermitente e a proteção cerebral com perfusão cerebral seletiva a 25ºC. Foi realizada a colocação de stent de aorta não recoberto (Djumbodis stent; Saint Côme Chirurgie, Marseille, France) de 90mm de extensão, em arco aórtico/aorta descendente (o diâmetro transversal é variável, ajustável ao diâmetro da aorta, dependente da expansão do balão dilatador que atinge diâmetro máximo de 45mm) e interposição de tubo valvulado em aorta ascendente pelo comprometimento dos óstios coronarianos. O paciente evoluiu no pós-operatório sem complicações maiores, recebendo alta hospitalar no 12º dia de pós-operatório.

A radiografia de tórax (Figura 2A) e a angiotomografia de controle realizada seis meses após a operação (Figuras 2B e 2C) ilustram a integridade do stent e a ausência de falsa luz pérvia no restante da aorta tóraco-abdominal.


Fig. 2 - Imagens de controle da prótese realizadas no período pós-operatório tardio. A - Radiografia simples de tórax ilustrando a diferente trama metálica do stent utilizado. B - Angiotomografia da aorta torácica com contraste iodado dentro do stent. C - Imagem da aorta operada caracterizando-se a ausência de delaminação residual em toda a sua extensão



DISCUSSÃO

A possibilidade de se estender o procedimento para o arco aórtico e aorta descendente sem, no entanto, torná-lo mais complexo é atrativa. Por meio desse novo dispositivo disponível, consegue-se ampliar o segmento da aorta tratado, podendo com isso, talvez, oferecer ao paciente uma sobrevida com menos morbidade àquela oferecida com a terapia convencional. Especulações como essa, no entanto, necessitam ser comprovadas a partir do seguimento de série de pacientes tratados e comparados aos resultados obtidos com aqueles submetidos ao tratamento convencional.

O stent de aorta não recoberto é proposta terapêutica recente, já utilizada por alguns grupos europeus, não havendo até o momento trabalhos com números expressivos de pacientes operados nem o seu comportamento durante seguimento. Mesmo assim, os relatos são empolgantes e possibilitam ampliar as opções terapêuticas para um grupo de pacientes de alto risco de complicações imediatas e tardias [6].

Article receive on quarta-feira, 13 de junho de 2007

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