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ARTIGO DE REVISÃO

Peculiaridades no tratamento da cardiopatia isquêmica no idoso

Adriana Silveira de ALMEIDAI; Marcelo Curcio GIBII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400015

RESUMO

Considerando que a média de idade da população mundial está aumentando e sendo a faixa etária superior a 80 anos a que cresce mais rapidamente em todo o mundo, novos enfoques de tratamentos e de cuidados se tornaram necessários para estas pessoas. Ante o desenvolvimento de novos produtos farmacológicos e de procedimentos por meio de angioplastia transluminal coronária ou cirurgia de revascularização miocárdica, muitos pacientes prolongaram sua vida e melhoraram a qualidade da mesma. Para indicar os procedimentos mais adequados, segundo as peculiaridades das manifestações clínicas, realizamos uma revisão bibliográfica com o objetivo de buscar evidências quanto ao benefício do tratamento cirúrgico ou da intervenção percutânea para este grupo de pacientes.

ABSTRACT

Considering that the world's population average age is increasing and the proportions of those over the age of 80, the fastest growing population worldwide, new approaches to health care and treatment will be necessary. Due to the development of new drugs and by means of transluminal coronary angioplasty or coronary artery bypass graft, many elderly patients had their lives prolonged and their quality of life improved. We carried out a bibliography review to search for evidence to support the best treatment choice according to the clinical manifestation of the patient.
INTRODUÇÃO

A média de idade da população está aumentando, sendo a faixa etária superior a 80 anos a que cresce mais rapidamente [1-3]. De acordo com dados das Nações Unidas, em 1998, cerca de 66 milhões de pessoas tinham 80 anos ou mais. Esta faixa etária representa 1,1% da população mundial. De 1970 a 1998, enquanto a população mundial aumentou 60%, a população de 80 anos ou mais cresceu 147% (de 26,7 para 66 milhões). Feita esta projeção para 2.050, estima-se uma população seis vezes maior que a atual nessa faixa etária (370 milhões de pessoas) [2].

No Reino Unido, em 1994, 4% da população tinha 80 anos ou mais e está estimado, para 2.020, que esta porcentagem seja em torno de 6%, o que corresponde a, aproximadamente, 3,6 milhões de pessoas [1]. O número de pessoas com idade superior a 80 anos nos Estados Unidos em 1990 era 6,9 milhões e está previsto um aumento para mais de 25 milhões no ano de 2.050 [4]. No Brasil, conforme dados do IBGE de 1991/2000, de uma população total de aproximadamente 146,8 milhões de habitantes, 1,6% tinha 75 anos ou mais [5]. Estima-se que, em 2.020, o Brasil possuirá a sexta população mundial de idosos [2].

O número de pacientes idosos que podem ser candidatos a intervenções de revascularização miocárdica, por doença aterosclerótica grave, tem aumentado, em razão do aumento da expectativa de vida da população geral [1,4,6,7]. É necessário, portanto, que os profissionais da área da saúde se preparem para atender às modificações estruturais, funcionais e hemodinâmicas relacionadas ao envelhecimento e, ainda, com as informações obtidas por meio de evidências publicadas, a fim de melhor conduzir o tratamento destes pacientes [2].

É esperada, nos idosos, uma taxa mais alta de morbidade após cirurgia que em pessoas mais jovens, apesar dos recentes avanços tecnológicos, farmacológicos e no manejo perioperatório, que melhoram os resultados pós-cirúrgicos [4], em virtude de um grande número de pacientes ser também portador de outras doenças sistêmicas. Ainda, o envelhecimento produz progressivas mudanças cardíacas estruturais como, por exemplo, uma maior deposição de células adiposas nos tecidos e uma diminuição da elasticidade da parede vascular [2].

A cardiopatia isquêmica representa, atualmente, a principal causa de óbito no idoso. Estudos envolvendo autópsias demonstram prevalência de doença arterial coronariana nesta população de 70%. Cerca de 20 a 30% dos idosos apresentam manifestações clínicas de doença isquêmica [2].

Assim, para publicação deste trabalho, realizamos uma revisão bibliográfica com o objetivo de buscar evidências clínicas quanto ao benefício do tratamento cirúrgico ou intervenção percutânea para pacientes idosos, com idade superior a 75 anos, apresentando cardiopatia isquêmica.

Para obtenção dos dados deste trabalho foi utilizada uma estratégia de pesquisa eletrônica, em revisões bibliográficas e artigos científicos, para identificar estudos e diretrizes que relacionam procedimentos de revascularização miocárdica com pacientes idosos apresentando cardiopatia isquêmica.

A pesquisa foi realizada em artigos publicados nos últimos 10 anos, disponibilizados na base de dados do MEDLINE, usando os termos "bypass surgery", "percutaneous angioplasty" e "elderly". Procuraram-se, também, trabalhos relevantes de autores brasileiros, particularmente publicados pela Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e pelos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, órgãos de divulgação oficial da Cardiologia brasileira, com os unitermos "cirurgia de revascularização", "angioplastia" e "pacientes octogenários".

Foram incluídos, na pesquisa, ensaios clínicos randomizados, meta-análises, artigos de revisão e diretrizes de consensos, em pacientes isquêmicos, com idade superior a 65 anos.

Conforme o diagrama da Figura 1, foram encontrados 330 publicações do MEDLINE potencialmente relevantes, das quais restaram 34 por preencherem todos os critérios do rigor científico.


Fig 1 - Esquema dos resultados da estratégia de busca da evidência científica nas bases de dados



SÍNDROME CORONARIANA AGUDA

Os pacientes com síndrome coronariana aguda com mais de 80 anos de idade são mais doentes à admissão hospitalar, apresentando maior prevalência de insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio (IAM) e insuficiência renal. Quando submetidos à angiografia, apresentam doença coronariana mais grave, com lesão de três vasos ou lesão de tronco da artéria coronária esquerda [8].

Conforme Halon et al. [8], em um estudo realizado com 449 idosos avaliando a importância do aumento da idade na apresentação e desfecho da síndrome coronariana aguda, os pacientes com mais de 80 anos submetidos a tratamento clínico têm uma sobrevida pior que os mais jovens (de 70 a 79 anos), mas, em pacientes tratados com revascularização, a diferença é pequena e não significativa estatisticamente entre os grupos etários. Um aumento de 10 anos de idade está associado com o dobro da taxa de mortalidade em 24 meses (17% para pacientes com idades entre 70 e 79 anos e 33% para pacientes com mais de 80 anos de idade, p < 0,001) [8].

Conforme o GRACE (Global Registry of Acute Coronary Events), registro observacional que inclui 24.165 pacientes com síndrome coronariana aguda de 102 hospitais situados em países da Europa, América do Norte e do Sul, Austrália e Nova Zelândia, as taxas de mortalidade hospitalar também aumentam com a idade, sendo de 1,3% para pacientes com menos de 45 anos, 9,3% para pacientes de 75 a 84 anos e de 18,4% para pacientes com 85 anos ou mais (p<0,0001) [9].

Um estudo multicêntrico patrocinado pela American Heart Association avaliou quase 230.000 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica ou intervenção coronária percutânea com o objetivo de melhorar o entendimento destes procedimentos quanto a riscos e desfechos. Entre os anos de 1991 e 1999, a proporção de pacientes de 75 anos ou mais submetidos a revascularização teve um aumento de 10%. O risco de mortalidade hospitalar associado com revascularização miocárdica, por década de vida até os 85 anos, aumentou 1% para pacientes submetidos à intervenção percutânea e 2% para os submetidos a tratamento cirúrgico [10]. A mortalidade média foi de 3,0% e 5,9% para os pacientes submetidos à intervenção percutânea e cirúrgica, respectivamente. Para a intervenção percutânea, os maiores preditores de risco de mortalidade hospitalar foram emergências, choque cardiogênico ou IAM recente e, para o tratamento cirúrgico, intervenção prévia persiste como o melhor preditor de mortalidade hospitalar [10,11].

O projeto APPROACH (Alberta Provincial Project for Outcomes Assessment in Coronary Heart Disease), realizado no Canadá, foi delineado para comparar os tratamentos clínico, cirúrgico e percutâneo, em 21.573 pacientes estratificados por idade. Nos 15.392 pacientes com menos de 70 anos de idade, a sobrevida em 4 anos com cirurgia, intervenção percutânea e tratamento clínico foi de 95,0%, 93,8% e 90,5%, respectivamente. Nos 5.198 pacientes com idade entre 70 e 79 anos, a sobrevida, no mesmo período, foi de 87,3%, 83,9% e 79,1%, respectivamente. E, finalmente, para os pacientes com mais de 80 anos, a sobrevida foi de 77,4% para cirurgia, de 71,6% para intervenção percutânea e de 60,3% para tratamento clínico. A redução no risco absoluto comparando tratamento clínico com cirurgia de revascularização miocárdica foi de 17% e com intervenção coronária percutânea foi de 11,3%, sendo superior para os pacientes acima de 80 anos. Este estudo evidenciou que, paradoxalmente, os pacientes mais idosos têm maior redução do risco absoluto associado com cirurgia e intervenção percutânea que os pacientes mais jovens, podendo obter benefícios com tratamentos mais agressivos [12].

Alguns estudos identificam o gênero feminino, além da idade, como preditor de aumento de incidência de complicações pós-operatórias. Basaran et al. [13] realizaram uma comparação entre os resultados de procedimentos cirúrgicos de revascularização eletivos em mulheres com mais de 80 anos com pacientes masculinos no mesmo período. Os autores observaram que as complicações pós-operatórias, incluindo prolongado tempo de ventilação mecânica, fibrilação atrial, pneumonia, deiscência de sutura do esterno, insuficiência renal e infecção na ferida operatória da safenectomia, foram estatisticamente mais significativas em mulheres, apesar de não ter sido encontrada diferença significativa entre os gêneros quanto à mortalidade. Ainda, o tempo de permanência em unidade de tratamento intensivo e de internação hospitalar foram superiores em pacientes do sexo feminino.

Os pacientes idosos apresentam maior incidência e pior prognóstico da síndrome coronariana aguda sem supra de ST do que os mais jovens [2]. A estratégia invasiva precoce recomenda a cinecoronariografia de rotina e a revascularização miocárdica com procedimento percutâneo ou cirúrgico, dependendo da circunstância [2].

Apesar dos estudos TACTICS - TIMI 18 [14], FRISC II trial [15], RITA 3 [16], VINO [17] e TRUCS [18] terem demonstrado benefícios com a estratégia intervencionista precoce, isto permanece incerto, pois os pacientes idosos têm maior risco de complicações com cateterização e com procedimentos de revascularização, independente dos procedimentos adotados, que os mais jovens [14].

O TACTICS - TIMI 18 trial, realizado com 2.220 pacientes, demonstrou maior sobrevida sem IAM com tratamento percutâneo precoce, em pacientes idosos com síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST, comparando com tratamento clínico conservador. Em 6 meses, houve uma redução absoluta de 4,8 pontos percentuais (8,8% versus 13,6%; p=0,018) e uma redução relativa de 39% em óbitos ou IAM em pacientes acima de 65 anos. Em pacientes com mais de 75 anos, o tratamento invasivo conferiu uma redução absoluta de 10,8 pontos percentuais (10,8% versus 21,6%; p=0,016) e uma redução relativa de 56% em óbitos ou IAM no mesmo período, apesar do aumento de complicações hemorrágicas neste grupo, em relação ao tratamento clínico [14].

O ERACI II, um estudo multicêntrico randomizado comparando tratamento percutâneo com cirurgia de revascularização miocárdica, em 450 pacientes com doença multiarterial, demonstrou que não houve diferença significativa quanto à sobrevida em 5 anos. Entretanto, pacientes submetidos a procedimentos percutâneos tiveram aumentada incidência de reintervenções durante o período de seguimento [19].

Desta forma, a importância da estratégia intervencionista em idosos é atribuída, em primeiro lugar, ao fato de que pacientes idosos, com angina instável e IAM sem elevação do segmento ST, terem aumento significativo de eventos isquêmicos adversos. Em segundo lugar, o tratamento invasivo precoce reduz mortalidade ou IAM em pacientes idosos. Terceiro, os benefícios com a estratégia intervencionista são maiores nos mais idosos e aumentam com a idade. Quarto, o tratamento intervencionista, ao prevenir eventos coronários, reduz os custos com a assistência médica. Em quinto lugar, não há aumento na incidência de acidente vascular cerebral nos idosos, apesar de aumento na freqüência de complicações hemorrágicas [14].

O ensaio clínico randomizado BARI (Bypass Angioplasty Revascularization Investigation) foi delineado para avaliar a sobrevida em pacientes com mais de 65 anos, com doença multivascular, submetidos a tratamento cirúrgico ou percutâneo. Após 5 anos de seguimento, a sobrevida foi similar para as duas formas de revascularização [20]. Entretanto, após 7 anos de seguimento, a sobrevida em pacientes tratados cirurgicamente foi estatisticamente superior (p=0,0425), principalmente em pacientes diabéticos (p=0,0011) [21]. Finalmente, com 10 anos de seguimento, os autores observaram que não houve diferença estatística significativa quanto à mortalidade ou IAM nestes grupos para pacientes sem diabetes [22]. Os diabéticos revascularizados cirurgicamente tiveram maior sobrevida (57,8%) que os diabéticos submetidos a intervenção percutânea (45,5%) neste período (p=0,025) [22].

Um grupo de estudos de doenças cardiovasculares do norte da Nova Inglaterra comparou a sobrevida em 8 anos de quase 15.000 pacientes com doença coronariana após tratamento cirúrgico ou percutâneo. A sobrevida para pacientes com doença multiarterial foi melhor após revascularização cirúrgica do que percutânea (p<0,01), apesar dos pacientes cirúrgicos serem mais idosos, triarteriais e com fração de ejeção mais baixa. A grande vantagem observada com o tratamento cirúrgico foi o aumento da sobrevida em pacientes triarteriais, mesmo considerando mulheres, diabéticos e idosos na era dos stents. Para pacientes com doença em dois vasos, não houve diferença estatística significativas entre os dois grupos de revascularização [23].

O IAM é uma das principais causas de óbito na atualidade, sendo que 80% destes eventos ocorrem em pacientes com idade superior a 65 anos [2]. Também, no trabalho de Batchelor et al. [24], comparando 7.472 octogenários com 102.236 pacientes com menos de 80 anos, foi constatado que a idade é o principal fator de risco para a mortalidade após o IAM.

A recanalização da artéria coronária envolvida, mediante o uso de fibrinolíticos e dos procedimentos percutâneos, promoveu um impacto significativo no tratamento do IAM, reduzindo a sua mortalidade para menos de 10% [2].

A utilização de fibrinolíticos para o tratamento do IAM é comprovadamente benéfica em pacientes idosos, exceto para pacientes com idade superior a 75 anos, nos quais ocorre maior incidência de acidente vascular cerebral hemorrágico [2].

Os pacientes com IAM são, cada vez mais, submetidos à intervenção coronariana percutânea. Naqueles com elevação do segmento ST, a angioplastia primária é utilizada como método inicial de reperfusão, como resgate após fibrinólise mal sucedida ou como parte de uma estratégia invasiva precoce. Aumento na utilização de procedimentos invasivos tem sido observado, similarmente, no tratamento de pacientes com IAM sem elevação do segmento ST. Abbott et al. [25], com base nos dados do National Heart, Lung and Blood Institute Dynamic Registry, compararam os desfechos clínicos, incluindo desempenho do tratamento, de pacientes consecutivos submetidos à intervenção coronariana percutânea, com e sem elevação do segmento ST, em um período máximo de 1 ano. Pacientes com elevação de ST eram mais jovens, tinham menos comorbidades e tinham doença coronariana menos extensa do que os pacientes sem elevação do segmento ST. Sucesso angiográfico e complicações periprocedimento foram similares nos dois grupos. Cirurgia de revascularização miocárdica, acidente vascular cerebral, sangramento e recorrência de IAM foram similares entre os grupos, mas mortalidade foi mais alta em pacientes com elevação do segmento ST (p=0,004). Choque cardiogênico foi associado com maior risco de óbito hospitalar (p=0,0001), mas elevação de ST também foi considerada como preditor de mortalidade. Em termos de revascularização, em um ano, não houve diferença em necessidade de reintervenções, entretanto, pacientes com elevação do segmento ST foram mais submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica neste período. Idade, choque cardiogênico, insuficiência renal, doença vascular periférica e neoplasia maligna foram preditores de morte e de IAM. Doença multivascular e um grande número de lesões superiores a 50% foram associados com a necessidade de reintervenções [25].

Com base em dados do American College of de Cardiology, foram avaliados 8.828 pacientes com mais de 80 anos submetidos à intervenção percutânea em 145 centros participantes, onde foi observado que a ocorrência de IAM foi um forte preditor de mortalidade neste grupo. A mortalidade global foi de 1,35% para os casos livres de IAM. A mortalidade dos pacientes com IAM entre 7 dias e 24 h antecedentes ao procedimento foi de 4,39%. A mortalidade para os casos com IAM num período entre 24 e 6h previamente à intervenção foi de 9,87% e para os pacientes que sofreram o evento nas 6 h antecedentes ao procedimento foi de 13,79% (p<0,0001) [26].


ANGINA ESTÁVEL CRÔNICA

A angina estável crônica é definida pela inalteração dos sintomas devido à isquemia há, pelo menos, dois meses [2].

O seu tratamento visa à redução de sintomas, melhora do prognóstico e da qualidade de vida, prevenção do IAM e da morte súbita. Deve-se promover a regressão ou a estabilização da placa aterosclerótica, prevenir suas complicações, especialmente a trombose, e proteger o miocárdio com o aumento do fluxo coronariano. É necessário intervir nos fatores de risco e estabelecer tratamento clínico, cirúrgico ou percutâneo de acordo com a situação [2].

A intervenção coronária percutânea é um procedimento amplamente difundido para o tratamento da cardiopatia isquêmica, inicialmente com a utilização do cateter-balão e, mais recentemente, com os stents [2]. Comparando-se com a angioplastia isolada, a utilização do stent reduz a incidência de complicações nos idosos [2], além de reduzir as taxas de reestenose. Entretanto, a reestenose clínica e angiográfica ainda ocorre em uma proporção importante de pacientes, necessitando de revascularizações repetidas e, conseqüentemente, redução na qualidade de vida e aumento de custos com assistência médica.

Muitos estudos buscam evidências convincentes para demonstrar que a intervenção percutânea é superior ao tratamento medicamentoso, com respeito à redução de IAM e morte em pacientes com cardiopatia isquêmica. O TIME (Trial of Invasive versus Medical Therapy in the Elderly) foi o primeiro ensaio clínico randomizado e prospectivo delineado para comparar tratamento clínico com invasivo em pacientes com mais de 75 anos. A mortalidade foi semelhante para os dois tipos de tratamento com um tempo de seguimento de 4 anos. Em relação aos demais critérios (hospitalização, eventos cardíacos não fatais e eventos maiores), o tratamento invasivo foi significativamente melhor que o clínico. Comparando-se a revascularização miocárdica por técnica percutânea com a cirúrgica, constatou-se que a mortalidade e o reinfarto foram semelhantes com as duas estratégias a longo prazo, mas a necessidade de reintervenção e o retorno dos sintomas ocorreram, com mais freqüência, em pacientes submetidos ao tratamento percutâneo [27,28].

O ensaio clínico COURAGE (Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation), realizado com 2.287 pacientes em torno de 60 anos de idade em 50 centros médicos localizados nos Estados Unidos e Canadá, durante um período de seguimento de 2,5 a 7,0 anos (média de 4,6 anos), evidenciou que o tratamento percutâneo não reduz o risco de morte, de IAM ou de acidente vascular cerebral, quando associado ao tratamento clínico intensivo, como estratégia inicial para pacientes com doença coronariana estável [29].

O ARTS (Arterial Revascularization Therapies Study), realizado durante 5 anos em 67 centros, com 1.205 pacientes randomizados para submeter-se a tratamento cirúrgico ou intervenção percutânea, mostrou que tanto a cirurgia como a intervenção coronária percutânea oferecem o mesmo grau de proteção quanto à incidência de morte, IAM e acidente vascular cerebral em coronariopatas com doença multivascular, exceto para diabéticos. Nos pacientes com diabetes, os submetidos a implante de stents tiveram uma mortalidade superior aos submetidos a tratamento cirúrgico, sendo de 13,4% e 8,3%, respectivamente. Ainda, a incidência de revascularizações repetidas foi significativamente maior no grupo submetido à intervenção percutânea (30,3%) que no grupo submetido a tratamento cirúrgico (8,8%; p<0,001; RR = 3,46; intervalo de confiança de 95% = 2,61 a 4,60) [30].


PERSPECTIVAS PARA O PACIENTE IDOSO:

CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO SEM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA E STENTS FARMACOLÓGICOS


Especula-se, ainda, sobre qual seria a melhor estratégia cirúrgica para o paciente idoso: cirurgia de revascularização com ou sem circulação extracorpórea? Uma revisão de vários ensaios clínicos comparando as duas técnicas cirúrgicas, incluindo grandes estudos retrospectivos, meta-análises e ensaios randomizados, concluiu que o maior benefício da cirurgia sem circulação extracorpórea é alcançado nos casos em que a aorta está gravemente calcificada, na qual a sua manipulação ou pinçamento pode ser associado a conseqüências neurológicas graves, tais como fenômenos embólicos centrais [31]. Ainda não há resposta definitiva de qual estratégia é superior e em quais pacientes deve ser selecionada. Atualmente, entretanto, o resultado com uma ou outra técnica pode depender mais da estrutura hospitalar, da familiarização, conforto e habilidade do cirurgião do que, propriamente, com o benefício intrínseco.

Em relação à intervenção coronariana percutânea, aguardam-se possíveis mudanças benéficas para evitar reestenose com o advento de stents farmacológicos [32] e o uso de estatinas [33] e de novas drogas antiplaquetárias, principalmente em pacientes acima de 80 anos de idade. Procedimentos combinados, incluindo tratamento farmacológico, percutâneo e cirúrgico, principalmente para os pacientes mais idosos e mais doentes, podem se tornar uma opção benéfica em casos selecionados. Em relação ao tratamento invasivo percutâneo, recentes trabalhos têm trazido novas informações que auxiliam na escolha da melhor conduta durante o procedimento. Lagerqvist et al. [34] avaliaram 6.033 pacientes tratados com stents farmacológicos, com idades entre 57 e 73 anos (mediana de 65 anos), e 13.738 pacientes tratados com stents de metal, com idades entre 58 e 74 anos (mediana de 66 anos), nos anos de 2003 e 2004, usando dados do Swedish Coronary Angiography and Angioplasty Registry (SCAAR). Os stents farmacológicos foram associados com um risco aumentado de morte, quando comparados com stents de metal, em um período de acompanhamento de três anos. Esta tendência apareceu após seis meses, quando o risco anual de morte foi 0,5 pontos porcentuais mais alto (risco relativo de 1,32, com 95% de intervalo de confiança, de 1,11 a 1,57) e a associação de morte ou IAM foi 0,5 a 1,0 ponto porcentual mais alta por ano (risco relativo de 1,20, com 95% de intervalo de confiança, de 1,05 a 1,37). Jensen et al. [35] avaliaram, de janeiro de 2002 a junho de 2005, 3.584 pacientes (5.422 lesões) submetidos a implante de stents com eluição de fármacos e 8.847 pacientes (11.730 lesões) submetidos a implante de stents metálicos, com idade entre 50 e 80 anos. O regime antiplaquetário após a intervenção incluiu ácido acetilsalicílico, de 75 a 150 mg ao dia, e clopidogrel, com uma dose de ataque de 300 mg, seguida por manutenção de 75 mg diariamente. A duração recomendada do tratamento com clopidogrel foi de 3 a 12 meses até novembro de 2002 e, após, de 12 meses. Num período de seguimento superior a 12 meses, a mortalidade foi semelhante nos dois grupos (p = 0,22). No mesmo período, trombose do stent (p = 0,03) e risco de IAM (p < 0,0001) foram mais freqüentes em pacientes submetidos a implante de stents com eluição de fármacos em comparação aos submetidos a implante de stents metálicos.

Ainda, uma meta-análise de 14 ensaios clínicos [36], na qual 4.958 pacientes foram randomizados para receber stents metálicos ou com eluição de fármacos e seguidos por um período de até 59 meses, evidenciou taxa aumentada de trombose tardia do stent com dispositivo farmacológico (0,6% contra 0,05%, p=0,02), quando comparado ao metálico, sem aumento de efeitos adversos.

O estudo multicêntrico EVASTENT (Évaluation coût/efficacité du stent actif ou sirolimus chez les patients dabétiques et non diabétiques) [37] avaliou a freqüência e causas de trombose do stent em pacientes diabéticos e não-diabéticos, após implante de stents com eluição de sirolimus, em uma coorte de 1.731 pacientes entre 50 e 80 anos de idade, dos quais 844 eram diabéticos. Os pacientes foram tratados com aspirina e clopidogrel por, pelo menos, 3 meses e seguidos por um período de 465 dias. A taxa de trombose durante o período de seguimento foi 1,8 vezes mais alta em pacientes diabéticos em comparação com não-diabéticos (p = 0,03), com pacientes diabéticos com doença multiarterial apresentando a taxa mais alta e pacientes não-diabéticos com doença em vaso único apresentando a taxa mais baixa (p < 0,001). Em adição à interrupção do tratamento antiplaquetário, preditores independentes de trombose do stent foram acidente vascular cerebral prévio, insuficiência renal, fração de ejeção baixa, lesões calcificadas, o comprimento do stent e diabetes insulino-dependente.


CONCLUSÃO

Baseado na revisão da literatura, concluímos que:

1. Cada vez mais, pacientes com idades avançadas são submetidos com sucesso a revascularização miocárdica por via percutânea ou por intervenção cirúrgica;

2. No IAM, a mortalidade é menor quando a intervenção se dá precocemente;

3. Pacientes idosos, com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST têm mais benefício (menor mortalidade) quando submetidos a tratamento intervencionista percutâneo e cirúrgico do que com tratamento clínico;

4. Está demonstrado que, para pacientes idosos com angina estável, o benefício não é superior quando associado tratamento percutâneo ao clínico como estratégia inicial;

5. Os trabalhos demonstram que o fator idade não é motivo de contra-indicação para procedimentos de revascularização miocárdica de qualquer técnica e, ainda, que o tratamento cirúrgico apresenta menor necessidade de reintervenção, quando comparado ao tratamento percutâneo;

6. O tratamento cirúrgico oferece melhores resultados quanto mais grave o caso (maior redução de risco em relação aos pacientes mais jovens);

7. Finalmente, considerando as últimas publicações mundiais, há que se avaliar uma rigorosa indicação para o uso de stents farmacológicos ou metálicos, visto que a literatura, ao contrário do que se imaginava, demonstra maior possibilidade de trombose nos primeiros.

Article receive on terça-feira, 21 de agosto de 2007

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