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ARTIGO ORIGINAL

Nova bandagem ajustável das artérias pulmonares na síndrome de hipoplasia de câmaras esquerdas

Renato Samy ASSADI; Marina M. ZamithII; Maria Fernanda SilvaIII; Petrônio Generoso THOMAZIV; Leonardo Augusto MianaV; Vitor Coimbra GuerraVI; Carlos Augusto Cardoso PedraVII; Miguel Barbero-MarcialVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000100010

RESUMO

Objetivo: A Síndrome de Hipoplasia de Câmaras Esquerdas representa um grande desafio para cirurgiões do mundo inteiro. Atualmente, tem sido proposto procedimento paliativo alternativo, por meio da bandagem bilateral das artérias pulmonares associada à colocação de stent no canal arterial e atrioseptostomia. No entanto, as bandagens utilizadas são fixas, podendo tornar-se inadequadas após o fechamento do esterno ou com o rápido crescimento somático do paciente. Descrevemos a primeira aplicação clínica do novo dispositivo miniaturizado de bandagem ajustável das artérias pulmonares em neonato portador da síndrome de hipoplasia de câmaras esquerdas, o qual permitiu ajustes percutâneos precisos do fluxo sangüíneo pulmonar. Método: Através de esternotomia mediana, neonato de 5 dias de vida foi submetido à bandagem pulmonar bilateral, usando este novo dispositivo, combinada com interposição de tubo de PTFE entre o tronco pulmonar e o tronco braquiocefálico. Resultados: O paciente apresentou boa evolução pós-operatória. Três ajustes percutâneos das bandagens foram necessários para manter a saturação arterial de oxigênio entre 75-85%. No 48o dia de vida, o paciente foi submetido a atrioseptostomia com colocação de stent (6 mm) para tratamento de comunicação interatrial restritiva. No 106o dia de vida, realizou-se operação de Norwood associada à anastomose cavopulmonar bilateral. As bandagens foram removidas, sem distorção das artérias pulmonares. Conclusões: O uso clínico deste sistema inovador de bandagem ajustável das artérias pulmonares mostrou-se factível, seguro e eficaz. Permitiu o ajuste fino do fluxo pulmonar de acordo com as necessidades clínicas, proporcionando um equilíbrio preciso entre as circulações pulmonar e sistêmica.

ABSTRACT

Objective: Hypoplastic left heart syndrome remains a challenge for worldwide surgeons. Initial palliation employing bilateral pulmonary artery banding along with ductal stent implantation and atrial septostomy has been proposed as an alternative approach. However, the surgically placed bands are fixed and may become inadequate after sternum closure or with somatic growth of the patient. We describe the first case in which a neonate with hypoplastic left heart syndrome was initially managed using a mini banding system that allows for fine percutaneous adjustments of pulmonary blood flow. Method: Through a mid sternotomy, a 5 day-old neonate underwent bilateral pulmonary artery banding using this new system combined with placement of a main pulmonary artery to innominate artery shunt. Results: The patient had an uneventful postoperative course. Three percutaneous adjustments of the banding system were necessary to keep the arterial oxygen saturation in the 75%-85% range. On the 48th day of life, she was submitted to stent placement (6 mm) within the atrial septum to treat a restrictive atrial septal defect. The Norwood operation and the bidirectional Glenn shunt were carried out on the 106th day of life. The bands were removed with no distortion of the pulmonary arteries. Conclusions: The clinical use of this innovative pulmonary artery banding system was feasible, safe and effective. It allowed for customization of the pulmonary blood flow according to the underlying clinical needs, resulting in a more precise balance between the pulmonary and systemic circulations.
INTRODUÇÃO

A abordagem cirúrgica tradicional de neonatos portadores de Síndrome de Hipoplasia de Câmaras Esquerdas (SHCE) é complexa e apresenta alta mortalidade, quando comparada a outras intervenções realizadas no período neonatal [1]. A operação de Norwood associada a um shunt sistêmico-pulmonar visa redirecionar as vias circulatórias para equilibrar a relação entre os fluxos sistêmico e pulmonar. Contudo, algum grau de sobrecarga do ventrículo direito sistêmico persiste após esta cirurgia. Ademais, uma cirurgia deste porte, geralmente realizada no período neonatal (algumas vezes, em recém-nascidos com baixo peso e anatomia desfavorável) e, ocasionalmente, associada à parada circulatória total, pode resultar em déficit no desenvolvimento neurológico dos pacientes.

Uma abordagem alternativa para tratamento paliativo da SHCE no período neonatal foi inicialmente proposta por Gibbs et al. [2]. Os autores propuseram a colocação de stent no canal arterial associada à bandagem das artérias pulmonares e atrioseptostomia, quando necessária, técnica conhecida como procedimento híbrido [3-5]. Atualmente, grande parte dos desafios técnicos foi elucidada [6]. Alguns centros já consideram o procedimento híbrido como a técnica de escolha em neonatos de alto risco [7,8]. No entanto, o fino ajuste do fluxo pulmonar, que representa um aspecto crítico do método, tem sido um aspecto particularmente difícil do procedimento, fato este que pode ser facilmente explicado pela Lei de Poiseuille, na qual o fluxo sangüíneo é relacionado com a quarta potência do raio do vaso [9,10].

Com isso, alterações mínimas no diâmetro da artéria pulmonar têm grande impacto no fluxo sangüíneo e no gradiente através da bandagem. Geralmente, a bandagem é cirurgicamente ajustada ("apertada" ou "afrouxada"), baseando-se em medidas hemodinâmicas e saturação arterial de oxigênio. Uma pressão arterial pulmonar distal à bandagem pulmonar menor que a metade da pressão arterial sistêmica e uma saturação de oxigênio entre 75%-85%, usualmente, refletem um equilíbrio adequado entre os fluxos pulmonar e sistêmico. Isto pode ser facilmente alcançado na sala de operações, com o tórax aberto e em condições "artificiais" (anestesia geral, ventilação mecânica, etc). Todavia, no período pós-operatório, que pode ser totalmente imprevisível, as bandagens pulmonares fixas não permitem ajustes finos de acordo com as necessidades clínicas do paciente. Além do mais, com o rápido crescimento somático do paciente, o equilíbrio entre os fluxos sangüíneos sistêmico e pulmonar necessita ser reajustado para se evitar hipoxemia, o que é impossível com as bandagens fixas, a não ser por meio de uma reoperação.

Para suplantar estes problemas, desenvolvemos um dispositivo miniaturizado de bandagem, chamado ABS, que permite um ajuste percutâneo do fluxo sangüíneo pulmonar no pós-operatório (SILIMED, Rio de Janeiro). Este controle fino do fluxo sangüíneo pulmonar é obtido pela manipulação percutânea precisa do diâmetro das artérias pulmonares. Desta forma, o ajuste das bandagens é feito de acordo com as características clínicas do paciente. Com o crescimento somático do paciente, por exemplo, evoluindo com piora progressiva da saturação de oxigênio, "afrouxamos" a circunferência da bandagem, melhorando assim o fluxo sangüíneo pulmonar.

Dispositivo de Bandagem Pulmonar Ajustável

Nosso protótipo foi desenvolvido nos laboratórios do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas F.M.U.S.P., resultado de vários estudos experimentais prévios [11-19]. O dispositivo, todo revestido de silicone, é uma miniatura de bandagem pulmonar, própria para o uso em neonatos (Figura 1). Consiste em três partes: anel de bandagem, tubo conector e botão reservatório de insuflação. O anel de bandagem trata-se de um manguito hidráulico, em formato de "C", com 5 mm de largura e uma camada externa rígida e fina, reforçada por uma malha de poliéster, que impede a deformação centrífuga do anel. Quando expandido, o manguito comprime a luz da artéria pulmonar, de acordo com o volume injetado no reservatório de insuflação, planejado para implante no subcutâneo. O anel de bandagem é potencialmente distensível em 500%, promovendo variação ampla de constrição reversível da artéria pulmonar submetida à bandagem. O tubo conector é flexível (diâmetro: 2 mm x comprimento: 70 mm) e conecta hermeticamente o anel de bandagem ao reservatório de insuflação, que é um botão auto-selante.


Fig. 1 - O dispositivo de bandagem ajustável da artéria pulmonar é feito com silicone de grau biomédico e consiste de três partes: manguito hidráulico, botão insuflador auto-selante e tubo conector (70 mm x 2 mm)


A experiência clínica com o uso da bandagem ABS foi iniciada em recém-nascido portador de SHCE, considerado de alto risco para o tratamento cirúrgico neonatal convencional. Foi submetido ao primeiro estágio do tratamento cirúrgico, utilizando-se o novo dispositivo de bandagem das artérias pulmonares, com sucesso. O segundo estágio da cirurgia, ou seja, a reconstrução da neoaorta, associada à anastomose cavopulmonar (Glenn bidirecional), foi realizada, com êxito, aos 106 dias de vida.

RELATO DO CASO

Trata-se de recém-nascido a termo, sexo feminino, com peso de nascimento de 2,76 kg, com diagnóstico pré-natal de SHCE. O ecocardiograma realizado após o nascimento ratificou os achados pré-natais: atresia da valva aórtica, estenose mitral, aorta ascendente hipoplásica, com diâmetro de 2,5 mm e comunicação interatrial (CIA) ampla, medindo 6 mm. Logo após o nascimento, foi iniciada a infusão de prostaglandina. A saturação de oxigênio permaneceu entre 90-95%, com respiração espontânea em ar ambiente.

A abordagem terapêutica inicial, por meio do procedimento híbrido, com o uso do novo sistema de bandagem pulmonar ajustável, foi planejada previamente ao nascimento da paciente, em hospital de alta complexidade (Hospital Samaritano de São Paulo). Foram discutidas todas as possibilidades terapêuticas com os pais, incluindo o transplante cardíaco e a operação de Norwood no período neonatal. Foi optado, no entanto, pelo procedimento híbrido. O novo dispositivo foi usado em caráter excepcional, após aprovação do conselho de ética do hospital e obtenção de consentimento livre e esclarecido dos pais.

O primeiro estágio foi realizado no 5o dia de vida. Através de esternotomia mediana, foi realizada bandagem pulmonar bilateral com o novo dispositivo ABS (Figura 2), associada a uma anastomose entre o tronco pulmonar e o segmento proximal do tronco braquiocefálico (Blalock-Taussig "reverso"), com tubo de PTFE de 6 mm (Gore-Tex, Inc, Ca), sem o auxílio de circulação extracorpórea (CEC) - Figura 3.


Fig . 2 - Bandagem bilateral das artérias pulmonares com o novo dispositivo ABS (4 mm), implantado através de esternotomia mediana. Os botões auto-selantes são implantados no subcutâneo da região infraclavicular


Fig. 3 - Detalhe do Blalock-Taussig "reverso" com tubo de PTFE 6 mm, entre o tronco pulmonar e artéria inominada, realizado através de esternotomia mediana

A estratégia de colocação de stent no canal arterial não foi aplicada no primeiro estágio, devido à ausência de hipoplasia do arco aórtico e/ou coarctação. Uma vez implantados os botões de insuflação no subcutâneo da região infraclavicular, bilateralmente, e as bandagens nas artérias pulmonares, o grau de constrição da bandagem das artérias pulmonares foi ajustado com o tórax fechado. Cada bandagem foi insuflada com 0,3 ml de soro fisiológico (0,9%) para manter uma saturação de oxigênio entre 75% a 85%, com fração inspirada de oxigênio de 30%. A infusão de prostaglandina foi descontinuada após o procedimento.

O período pós-operatório foi tranqüilo, com boa evolução clínica, sem acidose e/ou necessidade de suporte inotrópico. Foi utilizado apenas nitroprussiato de sódio para controlar hipertensão arterial sistêmica. A ventilação mecânica foi interrompida no 6º dia de pós-operatório. Três ajustes percutâneos do sistema de bandagem foram necessários, durante a internação hospitalar, para manter os níveis de saturação de oxigênio dentro dos limites de 75% a 85% (Figura 4). A paciente recebeu alta hospitalar no 21° dia pós-operatório.


Fig. 4 - Botões auto-selantes posicionados na região infraclavicular, um para cada artéria pulmonar, para ajuste independente do fluxo sangüíneo pulmonar


No ambulatório, a criança foi avaliada semanalmente, inclusive com ecocardiograma. Não foi observada obstrução do arco aórtico ou coarctação e o "shunt" mostrou-se amplamente pérvio. A função ventricular direita manteve-se dentro da normalidade, com mínima regurgitação valvar tricúspide. Devido ao fechamento gradual e progressivo da CIA, foi realizada atrioseptostomia e colocação do stent Palmaz Gênesis pré-montado de 6 x 19 mm (Cordis Co., Miami, EUA) através da CIA, no 48º dia de vida da paciente. Houve melhora hemodinâmica nítida e recuperação da saturação de oxigênio (Figura 5), apesar do posicionamento inadequado do stent, que ficou mal centralizado, com mais de dois terços do seu comprimento no átrio direito. Posteriormente, sete ajustes percutâneos (desinsuflações) do sistema de bandagem foram necessários, até que no último ajuste, realizado no 91º dia de vida, apenas 0,12 ml de solução salina foi deixado em cada bandagem, para manter a saturação de oxigênio dentro dos limites recomendados (Figura 6).


Fig. 5 - Implante do stent pré-montado Palmaz Genesis (6 X 19 mm) na comunicação interatrial


Fig.6 - Evolução hemodinâmica e da saturação arterial de oxigênio durante os ajustes das bandagens


Paciente evoluiu com obstrução progressiva do stent colocado na CIA (proliferação neoendotelial), o que determinou a intervenção eletiva do segundo estágio do tratamento cirúrgico, no 106º dia de vida.

Foi realizada nova toracotomia mediana e estabelecida a CEC com hipotermia de 24º C, por meio da canulação de ambas as cavas, tronco pulmonar e tubo de PTFE do Blalock-Taussig reverso. Os dispositivos de bandagem foram removidos sem intercorrências. Foi realizada anastomose direta do tronco pulmonar ao arco aórtico, sem utilização de material protético. Posteriormente, o stent implantado na CIA foi removido através de atrioseptectomia ampla. Durante a remoção do stent, notou-se intensa neoproliferação endotelial intra-stent, deixando um orifício efetivo de apenas 3 mm (Figura 7), o que determinou um fluxo sangüíneo restritivo através da CIA. Por último, a veia cava superior foi seccionada junto ao átrio direito e anastomosada com a artéria pulmonar direita (Glenn Bidirecional). É importante ressaltar que não foram observadas distorções na anatomia de ambas as artérias pulmonares após o explante dos dispositivos ABS. Atingida a normotermia, houve boa recuperação dos batimentos cardíacos. A CEC foi desligada sem intercorrências, com suporte farmacológico de dopamina (7 mg/kg/min), milrinone (0,75 mg/kg/min) e nitroprussiato de sódio.


Fig.7 - Stent pré-montado Genesis (6 X 19 mm) mostrando proliferação intra-stent importante, com orifício residual de 3 mm. Painel A: vista lateral, mostrando o posicionamento descentralizado do stent no septo interatrial. AD= lado do átrio direito, AE= lado do átrio esquerdo; Painel B: Vista superior, mostrando a proliferação do tecido intra-stent


Não houve intercorrências no pós-operatório imediato. Paciente evoluiu com débito cardíaco e saturação de oxigênio adequados. Entretanto, no 11º dia pós-operatório, foi diagnosticado abscesso subcutâneo, causado por Pseudomonas aeruginosa, que foi tratado com drenagem cirúrgica e antibioticoterapia por 30 dias, com boa resposta clínica. A ingestão oral foi progressivamente instituída. Recebeu alta hospitalar no 50º dia de pós-operatório, em boas condições clínicas, com saturação de oxigênio acima de 80%.

No momento, com 20 meses de vida, a paciente encontra-se bem, recebendo baixas doses de vasodilatadores, mantendo saturação de oxigênio entre 80-85%, com desenvolvimento neurológico normal e peso e altura acima do percentil 5 da tabela de crescimento, o que é esperado para crianças com cardiopatias congênitas complexas [20]. A conexão cavopulmonar total (Operação de Fontan modificada) está planejada para o 21º mês de vida.

DISCUSSÃO

Este trabalho representa a primeira aplicação clínica, com sucesso, do novo sistema de bandagem pulmonar ajustável no primeiro estágio do tratamento cirúrgico da SHCE em neonatos. Foi demonstrada sua eficiência, simplicidade e regulagem percutânea precisa do fluxo pulmonar, ao longo da sua permanência no paciente, possibilitando um equilíbrio entre as circulações sistêmica e pulmonar e saturação de oxigênio adequadas, de acordo com o rápido crescimento e ganho de peso do paciente. Os ajustes puderam ser realizados quantas vezes foram necessárias, tanto de forma emergencial, quanto em caráter ambulatorial, evitando cirurgias desnecessárias. Este ajuste fino e reversível não pode ser obtido por meio dos dispositivos de bandagem tradicionais e técnicas que vêm sendo comumente empregadas em pacientes portadores de SHCE. O uso deste sistema inovador possibilitou uma evolução pós-operatória mais previsível, com maior estabilidade hemodinâmica, o que é desejável enquanto o paciente aguarda a realização da cirurgia de grande porte do segundo estágio (Norwood e Glenn bidirecional associados).

Vários dispositivos de bandagem ajustável foram avaliados exaustivamente por mais de 15 anos em nosso laboratório, quanto à aplicabilidade, à segurança e à eficácia [11-19]. O conhecimento acumulado nos estudos experimentais, anteriormente à aplicação no cenário clínico, foi crucial para testarmos nosso sistema, fazendo com que o implante fosse tecnicamente simples e factível.

O sistema de bandagem ABS é um dispositivo biocompatível e implantável cirurgicamente sem maiores dificuldades técnicas. Uma das maiores preocupações com as técnicas de bandagem da artéria pulmonar é a possibilidade de causar distorções ou estenoses nos vasos, o que poderia prejudicar a realização das operações cavopulmonares subseqüentes. Felizmente, a cicatrização desenvolvida adjacente às bandagens foi mínima em nosso paciente e não resultou em nenhuma dessas complicações. Seria especulativo dizer que este resultado foi fruto do material utilizado (silicone). No entanto, esperamos que o uso rotineiro do dispositivo de bandagem ABS esclareça esta dúvida.

Por outro lado, a complicação infecciosa ocorrida no subcutâneo da parede do tórax, após o explante do dispositivo no pós-operatório do segundo estágio, pode estar relacionada ao espaço morto deixado pelos botões auto-selantes. Apesar de ter sido uma complicação facilmente contornada pela limpeza cirúrgica associada a antibioticoterapia prolongada, alertamos para a extrema importância de se realizar as insuflações ou desinsuflações do dispositivo com técnicas rigorosas de anti-sepsia.

O fechamento progressivo da CIA, apesar de não estar propriamente relacionado ao novo sistema de bandagem, foi uma complicação que determinou o implante do stent no septo interatrial e antecipou a indicação do segundo estágio cirúrgico. É sabido que, mesmo as comunicações interatriais grandes e não restritivas ao nascimento, em pacientes com SHCE, como a observada inicialmente neste caso, geralmente estenosam com o passar do tempo. Provavelmente, isto se deve ao fato do septo interatrial ser muito espesso e muscularizado nesta afecção. Por isso, o implante de stent no septo interatrial vem sendo indicado no intra-operatório do primeiro estágio, para prevenir esta complicação [6]. A aplicação do stent, no presente caso, provou ser efetiva, porém, apenas por dois meses. Uma proliferação intra-stent significativa foi observada na segunda operação. No entanto, não podemos afirmar se isto foi relacionado ao tipo de stent, posição subótima do dispositivo ou diâmetro final da comunicação. O diagnóstico preciso desta complicação, por meio de ecocardiografia semanal, é mandatário, uma vez que a desinsuflação dos reservatórios, para afrouxar as bandagens pulmonares, pode resultar em congestão venocapilar pulmonar e hipoxemia. Portanto, foi demonstrado que o sucesso absoluto deste novo sistema de bandagem está intimamente relacionado ao pronto estabelecimento de fluxo pulmonar irrestrito através de ampla CIA. Tecnologias envolvendo cateteres para este fim e/ou atrioseptostomia por radiofreqüência já estão em desenvolvimento para se obter uma CIA confiável, durável e irrestrita no futuro.

É controversa a ausência de implante do stent no canal arterial, para manter um fluxo sistêmico irrestrito. Entretanto, a aplicação deste dispositivo no canal arterial vem apresentando complicações técnicas, relacionadas ao procedimento [21]. Aventamos que este implante possa ser evitado em pacientes não usuais e ocasionais, como o aqui apresentado, nos quais não haja obstrução do arco aórtico ou coarctação. Em nosso paciente, o Blalock-Taussig reverso funcionou bem, mantendo fluxo adequado para os territórios coronário, cerebral e sistêmico, mesmo após a estenose do canal arterial. Descrita inicialmente pelo grupo de Toronto, a anastomose entre o tronco pulmonar e o tronco braquiocefálico tem o potencial de melhorar a dinâmica do fluxo coronariano [22]. Contudo, uma maior experiência é necessária, para se determinar com precisão, quais seriam os pacientes a se beneficiarem da não utilização do stent no canal arterial.

CONCLUSÃO

Em conclusão, o uso de nosso inovador sistema de bandagem pulmonar bilateral ajustável por via percutânea permitiu um fino controle do fluxo pulmonar em um neonato portador de SHCE, submetido ao procedimento híbrido. Este ajuste do fluxo pulmonar de acordo com as necessidades clínicas de crianças, em rápido crescimento pondero-estatural, parece resultar em um equilíbrio preciso entre as circulações sistêmica e pulmonar, principalmente no período entre os dois primeiros estágios. Estudos clínicos subseqüentes com maior número de pacientes e um maior espectro da doença estão em planejamento para o futuro próximo para tentar elucidar estas dúvidas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos diretores Margaret Figueiredo e Antoine Robert e à divisão de desenvolvimento da SILIMED, especialmente à Ana Soares e André Esteves, pelo valioso apoio. Os autores também agradecem a cuidadosa assistência das doutoras Tereza Uras e Kátia Santos, da enfermeira Maria Fernanda Dib e de todos os profissionais do Hospital Samaritano, pelo enorme suporte técnico e humanitário ao paciente e sua família.

OBSERVAÇÃO

A Operação de Fontan modificada (túnel intra-atrial fenestrado) foi realizada com êxito no 21º mês de vida.

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